(por Luís Marques)
Terminado o primeiro ano de comissão, em Dezembro de 1973, o Batalhão foi deslocado para a zona de Luanda, concretamente para a chefia do sub-sector do Caxito.
Caxito (avenida principal)
A C.C.S. e o comando do Batalhão ficaram instalados na Fazenda Tentativa, a 1ª Companhia, foi colocada na Barragem das Mabubas, perto do Caxito, a 2ª Companhia ficou instalada no ponto mais distante, a cidade de Ambriz, e, por fim, a 3ª Companhia foi aquartelada na Fazenda Tabi.
Ambriz
A barragem das Mabubas
Fazenda Tabi
Estar perto de Luanda foi como que uma bênção. Uma bênção, porque depois de um ano de total isolamento nas "terras do fim do mundo", poder cheirar, tocar e sentir a pulsação de uma cidade como Luanda, representou como que um prémio colectivo, para quem durante 13 meses apenas conviveu praticamente consigo próprio (sem embargo de todos termos muitas saudades dessas terras maravilhosas, de uma beleza quase intangível, com uma fauna selvagem esplendorosa).
O Vasconcelos e o Francês na Fazenda Tentativa (ao fundo, o Sousa)
O Vasconcelos e a nossa mascote, Piçudo, na Fazenda Tentativa
O Batalhão ficou, pois, bem perto da capital e no caminho para o Norte, onde a guerra colonial se iniciou em 1961. A Fazenda Tentativa fica situada na estrada para Luanda e a cerca de 14 Km das Mabubas. Entre a Fazenda Tentativa e as Mabubas, fica o Caxito, a povoação mais importante da área do Batalhão.
Caxito, Avenida Principal
A Fazenda Tentativa, sede do Batalhão, era naquele tempo uma importante exploração agro industrial. Tinha instalações para todos os trabalhadores, hospital e auto-defesa entregue a milícias. Era, na altura, uma importante produtora de cana do açúcar. Segundo os europeus que lá trabalhavam, as picadas no seu interior tinham mais de 300 Km de extensão.
Fazenda Tentativa (canal de irrigação)
A Fazenda Tentativa surpreendia pela sua grandiosidade. A sua enormidade, as vivendas, as escolas, a igreja, o hospital, a farmácia, o seu cinema ao ar livre, o campo de futebol, a própria fábrica e a vasta alameda que possui, davam-lhe um aspecto de modernidade, muito diferente daquilo a que estávamos habituados.
Fim-de-semana na Barra do Dande, arredores da Fazenda Tentativa
Como a Tentativa, existiam muitas outras explorações na área do Batalhão, como a Fazenda Libongos, sede de uma outra exploração agro pecuária e que na altura constituía o limite do trânsito livre para o Norte e a Fazenda Tabi, também ela uma exploração agro industrial muito importante, possuidora de auto-defesa e uma população trabalhadora muito importante. Esta fazenda produzia principalmente bananas , que eram exportadas para Portugal, bem como óleo de palma e óleo de coco.
A cidade do Caxito era um aglomerado populacional de alguma importância e um centro comercial relativamente próspero. Aqui se ouvia falar dos contactos estreitos da população nativa com os guerrilheiros, o que nos fazia estar mais atentos a pequenos sinais.
A cidade de Ambriz
Apesar da paz artificial que por ali se vivia, não podíamos desprezar a possibilidade de qualquer ataque inesperado e, por isso a circulação de pessoas e bens era condicionada. Essa a razão das constantes colunas de escolta de viaturas civis até à cidade de Ambriz realizadas pela C.C.S. (duas por semana). Sabíamos que os guerrilheiros se movimentavam por aquela zona, sendo uma das sua zonas de reabastecimento. Sabíamos que o Caxito era por eles utilizado para obter produtos essenciais.
A caminho do Ambriz
A cidade de Ambriz, onde foi colocada a 2ª companhia, antes de 1961, foi um importante porto exportador de café, no nosso tempo praticamente desactivado. O desenvolvimento da população estava essencialmente centrado num centro de instrução militar (infantaria) que existia na na cidade, na cultura do algodão e na a pesca, sobretudo a pesca da lagosta (quem não se recorda das saborosas refeições de lagosta - baratíssima - que se comiam em Ambriz), que abastecia generosamente a cidade de Luanda.
Vista da cidade de Ambriz
A 2ª companhia tinha um pelotão colocado em Freitas Morna, um ponto militar estratégico, mas de um total isolamento. Era no "cruzamento de Freitas Morna" que o MVL (Movimento de Viaturas Logísticas), que era por nós escoltado, se dividia entre aquelas viaturas civis que se dirigiam para Ambrizete, mais para Norte, e as restantes que se dirigiam para Ambriz. Situado perto da ponte sobre o rio Loge, Freitas Morna era de extrema importância para manter as ligações terrestres entre o Caxito e Ambrizete. A quem lá ia, impressionava as condições degradantes em que este pelotão vivia, para além do seu isolamento, contrastando fortemente com a realidade do resto do Batalhão. Dava a ideia que aqueles militares faziam parte de uma outra guerra.
Freitas Morna
A 1ª companhia de caçadores foi instalada na Barragem das Mabubas, local de muita beleza. Aqui tudo, ou quase tudo, se centrava na barragem que fornecia energia eléctrica a Luanda e sustenta as águas revoltas do majestoso rio Dange. A albufeira formada pela barragem é muito bela, imponente e alarga-se por vários quilómetros quadrados. Aqui se podiam ver jacarés em abundância. A missão da tropa era proteger a barragem contra eventuais sabotagens por parte dos guerrilheiros, defendendo, deste modo, uma estrutura da máxima importância para a cidade de Luanda. Outro dos atractivos era a curta distância que a separava da capital (60 Km), que se percorria em pouco mais de meia hora.
A barragem das Mabubas
Por último, resta falar da Fazenda Tabi, onde foi colocada a 3ª companhia. Aqui, tal como na Fazenda Tentativa, as instalações da tropa conviviam de forma harmoniosa, com as moradias dos administradores e restantes europeus e capatazes, bem como as restantes instalações fabris. Tal como se disse no princípio, esta fazenda produzia milhares de toneladas de banana por ano, quase toda exportada para Portugal, óleo de palma e coconote.
A Fazenda Tabi
Recordo uma extensa e bela alameda, onde centenas de macacos faziam contorcionismo nas árvores e davam as boas vindas aos visitantes.
Fazenda Tabi
São da Fazenda Tabi algumas das imagens mais chocantes obtidas no inicio da Guerra Colonial, em 1961. Recordo aquelas imagens em que, depois de um ataque surpresa efectuado à fazenda, os guerrilheiros (ao que se dizia drogados) deceparam as cabeças aos trabalhadores bailundos e as espetaram em paus. Os negros assassinados pertenciam ao povo Bailundo, originários do Sul de Angola , que tinham sido trazidos propositadamente para a região dos Dembos pelos colonizadores que os julgavam mais dóceis e facilmente domináveis do que os naturais do Norte. Mas a chacina também não poupou a população branca, tendo, aliás, revestido de especial crueldade a sua actuação junto dela.
Massacre na Fazenda Tabi , Fevereiro de 1961
A 3ª companhia tinha ainda um destacamento na Fazenda Libongos, sede de uma outra exploração agro pecuária e que na altura constituía o limite do trânsito livre para o Norte (era neste local que se dava instruções aos militares que constituíam a escolta das viaturas civis que se dirigiam para o Norte, para introduzirem a "bala na câmara" da G3, colocarem a respectiva patilha na posição de segurança e redobrarem a sua atenção).
A estrada Caxito - Ambriz na zona da Fazenda Libongos
Foi por estes locais, aqui sumariamente descritos, que o Batalhão de Caçadores 4611/72 passou quase 5 dos seus 24 meses de comissão em Angola. Até que o Batalhão foi deslocado mais para Norte, para o enclave de Cabinda, para apoiar a guerra no Sanga e no Miconje. Mas essa é outra história...