Estava eu a dar instrução militar em Aveiro, no Batalhão de Caçadores 10, quando num fim de semana, em finais de Novembro de 1972, em casa , ouvi falar pela 1º vez nas "terras do fim do mundo" em Angola.
Muito simples: o meu saudoso pai tinha um colaborador na empresa onde trabalhava, cujo nome, se não me falha a memória , era Manuel, e em conversa lhe teria dito, talvez em jeito de lamento, que o neto da senhoria tinha ido para Angola para as "terras do fim do mundo."
Contou em casa o que tinha ouvido, eu memorizei e não me recordo se comentei.
A minha mobilização não se fez esperar e em 18 de Dezembro de 1972 arranco em rendição individual, rumo a Angola a caminho da CCS do Batalhão de Caçadores 4611/1972.
Desembarquei no aeroporto Luanda no início da manhã de 19 de Dezembro, faço as formalidades no terminal militar e venho para o exterior à espera de um táxi que me levasse até à CMR113 (Companhia Metropolitana de Recompletamento 113, localizada no Regimento de Infantaria de Luanda), onde tinha de me apresentar.
O Jaime Ferreira à porta da camarata dos Furriéis em M´pupa. Por trás dele um exemplar da "Declaração Universal dos Direitos do Homem", que pertencia ao Luís Marques e que era de leitura obrigatória (pelo menos um dos seus artigos) antes da entrada de qualquer um dos furriéis na camarata
Talvez a imagem que me dominava fosse de timidez e meio perdido. Fui interceptado por um Tenente do exército, que por sinal viajou no mesmo avião e me convidou para ir para junto dele . Depois das perguntas habituais: De onde és , qual a tua especialidade, para onde vais, etc., aparece a carrinha de transporte de passageiros militar e com as recomendações dadas pelo amigo de ocasião ao condutor da viatura, lá fui eu a caminho da CMR113.
Faço a apresentação, e fico logo a saber que no dia 21 de Dezembro estava de sargento de dia à companhia.
O Jaime Ferreira (em primeiro plano) esteve de sargento da guarda, no dia da visita do General comandante da Zona Militar Leste ao aquartelamento de M´pupa.
Faltava avisar a família que tinha chegado bem, e então lá fui ao centro da cidade de Luanda aos correios mandar o velho telegrama. Não me recordo se foi antes ou depois de o ter feito, encontro-me cara a cara com um colega da escola industrial onde tinha andado (Vila Nova de Gaia), que estava a cumprir o serviço militar em Moçambique e estava a passar férias em Angola em casa de uma irmã. Estava tudo a correr bem. Foi maravilhoso, reconfortante e logo o convite de que se cá estiveres no Natal vais passá-lo comigo.
O Jaime Ferreira a entrevistar o Fernando Pinho (este há muito radicado no Brasil), durante um torneio de futebol em M´pupa. Penso que foi aqui que surgiu a célebre frase: "prognósticos só no final do jogo"
Tudo se passou da maneira seguinte: tinha a formatura feita para o almoço, quando chega junto de mim o cabo cozinheiro e me informa que o almoço estava um pouco atrasado e seria melhor mandar destroçar e voltar a formar um pouco mais tarde, face ao calor que se fazia sentir. Pensando que fazia uma grande coisa, em não ter os homens parados e com o sol a pique, avisei a formatura do sucedido, pedi para não dispersarem muito e mandei destroçar.
Ainda o pessoal não tinha escolhido a sombra quando o comandante da companhia aparece perguntando o porquê da companhia não estar formada.
Bem pequena esta cobra, não?
Imaginem o cagaço. Lá fui eu, como se costuma dizer, de chapéu na mão, falar com o capitão. A ameaça de uma "porrada" foi das primeiras coisas proferidas, mas depois de algumas explicações lá entendeu que não houve desleixo e ficou-se por me aplicar um sargento de dia (à Benfica) na manutenção militar no dia 23 que acabei por não cumprir, porque entretanto chegou a guia de marcha para M’pupa e a partida era precisamente nesse dia.
Foi o melhor, imaginem, que me poderia ter acontecido.
No rescaldo de uma noite de caça
Passei o Natal em Nova Lisboa , a passagem de ano em Serpa Pinto (com o pessoal da 3ª Companhia) e no início de Janeiro lá estava eu em M’pupa, nas "terras do fim do mundo " depois de uma viagem em MVL, na CCS do Batalhão de Caçadores 4611/1972, onde encontrei um grupo extraordinário .
O Jaime Ferreira fazia parte da equipa de caça de M´pupa (apesar de não ser atirador de infantaria, mas sim de transmissões, o Jaime tinha uma pontaria invejável
Depois ,com o decorrer de conversas e mais conversas, fiquei a saber que o neto da senhoria do Sr.Manuel (colaborador do meu pai) afinal era o José Manuel Francês. Por ironia do destino viemos ambos parar às "Terras do fim do mundo".