(Por Fernando Moreira)
A Partida
Soneto de Separação
"De repente do riso fez-se o pranto
silencioso e branco como a bruma
e das bocas unidas fez-se a espuma
e das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
que dos olhos desfez a última chama
e da paixão fez-se o pressentimento
e do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
fez-se de triste o que se fez de amante
e de sozinho o que se fez contente
fez-se do amigo próximo o distante
fez-se da vida uma aventura errante
de repente, não mais que de repente..."
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)
Chegada a Luanda – Foto cedida por Girão
24 de Novembro de 1972 – O Embarque
A preparação da nossa viagem para Angola começara, sem que nos apercebêssemos, muito antes daquele dia 24 de Novembro de 1972, em que nos mandaram formar no Campo Militar de Santa Margarida, prontos a entrar nos autocarros de turismo fretados pelo exército, com destino a Lisboa onde nos aguardava o Boeing 707, da FAP, no Aeródromo de Manobra de Figo Maduro, no qual embarcaríamos rumo ao Ultramar.
O processo que nos levou ao Ultramar, para defesa das fronteiras longínquas do Império, iniciou-se após sermos dados como prontos, caso dos atiradores, ou depois do final da instrução da especialidade, para os especialistas, altura em que habitualmente se recebia a ordem de mobilização.
Após a ordem de mobilização lá recebemos a Guia de Marcha para apresentação na Unidade Mobilizadora onde nos juntámos, vindos dos vários centros de instrução, num Batalhão com um número de código atribuído e que aos poucos ia tomando forma agregando os militares operacionais e os das especialidades até que o quadro orgânico respectivo estivesse preenchido.
O Batalhão de Caçadores 4611/72 foi assim, aos poucos, tomando forma, ao mesmo tempo que a par dos exercícios de instrução de aperfeiçoamento operacional se recebiam as vacinas, os camuflados e outro material que nos acompanharia durante o tempo do chamado cumprimento do dever. Quando por fim se encontrou composto de 3 companhias operacionais e 1 de serviços, o Batalhão 4611/72 estava em termos práticos pronto para seguir viagem.
Com a chegada da ordem de embarque sobraram uns dias para uma ida a casa para a despedida à família, para fazer umas últimas asneiras por conta com os amigos de sempre e pedir a alguma amiga mais próxima, caso não existisse já namorada na costa, para que fosse a nossa madrinha de guerra durante o tempo de permanência no Ultramar.
Finalizado este período de graça e após a despedida da família urgia partir rapidamente para o quartel de modo a que ninguém próximo se apercebesse que afinal o malvado guerreiro sem sentimentos tinha duas lágrimas nos olhos que teimosamente insistiam em rolar pela face.
E a canção começa a martelar na nossa mente, “ Mamãe... Sinto que estás a chorar...”
Entrámos em silêncio nos autocarros e saímos de Santa Margarida no dia 24 ao final da manhã rumo a Lisboa… Jovens, com idades a rondar os 22 anos, fizemos o trajecto num ambiente algo silencioso, nervoso e de apreensão, raras vezes cortado por uma ou outra graçola de algum camarada quiçá mais nervoso que nós e que utilizava esse estratagema para não o demonstrar.
Tomávamos consciência que algo mudaria a partir dali.
O serviço militar deixara de ser “um estágio de actividades físicas e manipulação de armas, em que nos fins-de-semana íamos ver a família, tomava agora um aspecto inevitavelmente mais grave. Íamos para a guerra, era impossível ignorar!” (Sic. Jorge Correia)
À chegada ao Aeródromo de Figo Maduro viríamos a sofrer o ataque definitivo às nossas emoções ao encontrarmos à nossa espera as famílias, também elas em sofrimento pela partida não desejada dos entes queridos, mas fazendo um esforço tremendo para que a boa disposição se sobrepusesse ao aperto de mão nervoso de uma mãe, avó, irmã, esposa ou namorada ou ao rosto crispado de um pai ou avô que, conhecedores do lema de que “um homem não chora”, se apressavam a despachar o momento com uma palmada nas costas do seu rapaz feito guerreiro à pressa procurando desta forma transmitir ânimo numa situação que se podia comparar a uma barragem prestes a rebentar em lágrimas, em gritos de desespero e protesto contra uma guerra que se apresentava já sem muito sentido.
E a canção continuava; “Não chores a minha ausência... que um dia hei-de voltar...”
Uma das primeiras noites em Luanda – Foto cedida por Luis Silva
25 de Novembro de 1972 – Chegada a Luanda
Chegados a Luanda tivemos como primeira sensação o intenso cheiro a terra vermelha nada desagradável ao olfacto.
Fomos directos ao Grafanil, onde ficámos estacionados e onde também tivemos a segunda grande sensação das terras angolanas… os mosquitos!!!
Após cinco dias em Luanda seguimos transportados nas Berliet´s para Serpa Pinto a capital da província do Cuando Cubango, província angolana no leste, quatro vezes maior que Portugal, onde ficámos aquartelados.
Começava a nossa saga africana!
E a canção repetia; Não chores... E pensa agora... que o tempo passa depressa....”
E continuava; ...”Mamãe não chores.... Que eu volto...”
A 3ª. Companhia do B.Caç. 4611/72 partiu a 24 de Novembro de 1972 e regressou a 28 de Novembro de 1974 após 2 anos e 4 dias de ausência.
Foto de despedida de Angola – Cabinda, Roça Lucola
Um agradecimento ao Filipe Silva, ao António Moita e ao Jorge Correia pela ajuda prestada neste trabalho.