EduardoVeiga |
O registo da minha história refere:
Eduardo Jorge Veiga
Soldado Nº Mec 093543-71
Incorporado: 27SET71 a 22NOV71 na CICA 2 Figueira da Foz
Especialidade: 22NOV71 a 23JAN72 RI 6 no Porto (Senhora da Hora)
Serviço efectivo: 23JAN72 a 4DEZ72 GCTA Grupo Comp.Trem Auto (Quartel Mestre General) Lisboa
Mobilizado para Angola a 4DEZ72 pelo RI 2 Onde nunca fui (entendo que fosse por o BCAÇ 3839 / CCAÇ 3343 pertencerem a essa unidade) e ao mesmo tempo mobilizado pelo RI 16 onde também nunca estive.
Adidos de Lisboa via Luanda a 18DEZ72 e CMR 113/Luanda a 19DEZ72
27DEZ72 Fui integrado no BCAÇ 3839 / CCAÇ 3343 localizado no AMBRIZETE (Missão Católica)
??/??/1972 Fui para a CMR 113 a aguardar recolocação e enviaram-me para o BCAÇ 4611/72 3ªCCAÇ em Serpa Pinto
Vamos então ao trajecto;
Não é pretensiosismo mas chegou a altura de deixar os fantasmas para trás e viver os dias em sossego, é uma história com um desafio que podia ser de qualquer um, mas esta é minha…
Não há insubstituível, mas eu sou, como eu não existe outro; ou se quisermos dizer de outra forma, não há insubstituíveis, mas não há repetíveis, fica à escolha.
Como é sabido da maioria dos que me conhecem, fui para Angola em rendição individual para o BCAÇ 3839, mais propriamente a CCAÇ 3343 situado no Ambrizete cujo aquartelamento se localizava dentro de uma igreja católica (missão) e foi com a minha chegada a terras africanas que começaram os temores de quem era amparo de Mãe, casado e aguardava um filho.
Com o tempo que já tinha de serviço militar não era provável que fosse mobilizado, porém, como é sabido a única certeza é a morte e nem essa tem hora e dia marcado.
BCAÇ3839 CCAÇ 3343 Ambrizete (missão) a Igreja era o dormitorio |
Cheguei a Luanda no dia 19/12/1972, tendo-me apresentado na CMR113 (Companhia Metropolitana de Recompletamento 113) que ficava no RI-20, unidade dos naturais e a partir dali fui integrado no respectivo Batalhão 3839 Ccaç 3343
Ao chegar ao Ambrizete, passado algum tempo transferiram-me para a Musserra, localizada a Sul entre Ambrizete e Ambriz, em pleno interior, com mais 11 camaradas. Para quem não sabia o que era uma guerra de guerrilha o medo era constante, todos os pensamentos estavam com a minha mãe, mulher e filho, foram estes familiares que me obrigaram a olhar para dentro e dizer; “eu tenho que sair daqui porque alguém está à minha espera”.
Ambrizete. O Eduardo Veiga é o 4º a contar da esquerda, em pé |
Com o retorno à Metrópole do BCAÇ 3839 fui transferido para o BCAÇ 4611/72, mais propriamente para a 3ª CCAÇ e em boa hora aconteceu tal mudança (Deus por vezes parece que está a dormir mas dormita), porque para além de tudo, me permitiu conhecer amigos que ainda hoje permanecem na minha memória e não só.
Da CMR113, em Luanda, levaram-me ao machimbombo que fazia a ligação para Serpa Pinto com um stock de duas rações de combate (RR ou RC) uma G3 encontrando um machimbombo (autocarro) carregado de nativos locais, senti-me que nem um RAMBO, o exército tinha destas coisas que mais parecem saídas de um filme de 5ª.classe,… o que faria eu com a G3 num machimbombo com 50 nativos, galinhas, cabras e não sei que mais! Certamente que NADA!
No entanto houve uma situação que me tocou, pois digo-vos que quando o dito machimbombo parava os meus companheiros de viagem era a mim que vinham oferecer comida e bebida, (estou a escrever esta palavras comovido como devem calcular), pois eu estava em guerra com as pessoas que me tiravam os medos e me alimentavam dos meus receios.
Depois de dois dias de viagem de Luanda a Serpa Pinto com paragem em Silva Porto para pernoitar, para quem tinha tantos receios os mesmos deixaram de existir.
Finalmente cheguei a Serpa Pinto, hoje conhecida por Menongue, encontrando à minha espera, com um ar lisboeta, o Deodato. Fiquei mais descansado ao constatar que a minha colocação era numa cidade e mais agradado por ter sido bem aceite naquele grupo de camaradas.
Fiz APSIC’s com o Filipe e Elias, algumas operações, e nos MVL havia sempre pessoal que pedia para trocar (os meus medos eram reprimidos e vistos por outros como uma abstracção dos acontecimentos, quanto mais longe melhor) pois a permanência no quartel fazia-nos pensar mais.
Falava-se do que tinha acontecido ao Paiva, um acontecimento que marcou a companhia e ocorrido precisamente no dia do meu aniversário, uma coisa era real, não eram só os acidentes a que nós, condutores auto, estávamos sujeitos pois nas picadas, fossem no Ambrizete ou no Leste as minas também eram o pão-nosso de cada dia.
A diferença mais notada, nesta transição de companhias, era a relação com os superiores, pois de onde eu tinha vindo havia uma união mais forte, que na 3ª.Compª. só começou a acontecer a partir da nossa colocação no TABÍ.
A nossa rotação de Serpa Pinto para o TABÍ foi mais um episódio rocambolesco do Exército Português no ultramar, a mudança de uma companhia completa em carros civis sem apoio militar só podia ser estratégia do segredo.
No TABÍ, as coisas não eram tão simples, sentia-se o Norte, pessoas mais informadas e mais sofridas com a guerra, se não era bom para nós, para eles também não era melhor ou talvez fosse pior, as conversas deles eram sempre dirigidas ao acontecimento, os militares que não andavam distraídos davam por isso em conversas e até nos olhares.
Todos em surdina sentimos que não estávamos em Serpa Pinto, notou-se que todos éramos poucos para tanto de vigilância. Eu já tinha sentido aquele clima de “segurança” quando da minha passagem pelo Ambrizete, quando aí estivera anteriormente.
Ficou-me na memória um caso que já foi mencionado pelo Facas e vivido também pelo Deodato, em que o carro que eu devia levar a Luanda um Mercedes 322 não queria andar e o atraso custou a vida de outros (julgo da milicia) que não quiseram esperar. Ficámos sempre com a ideia de que a emboscada estava preparada para nós! Deus continuava a não dormir !!
Outros casos recordo, que se tornavam hilariantes; quando levávamos doentes ao hospital de Luanda íamos na célebre Mercedes 322, que gastava mais óleo que combustível, e como a lona estava em mau estado e a polícia militar podia mandar-nos parar íamos sem lona o que tinha como consequência que quem saia constipado chegava com pneumonia. Após deixarmos os doentes no hospital só tínhamos que esperar no AMAZONAS, que se encontrassem despachados.
Houve também um, este menos agradável, caso de tentativa de ataque no TABÍ. As operações neste sector eram mais cirúrgicas e com elevado grau de risco, para quem marchava e para os condutores pois as minas eram o que ninguém desejava e o rebentamento de uma podia ocorrer a qualquer momento. Cada regresso dos operacionais no terreno sem baixas era um alívio e uma alegria para todos, podíamos não dar por isso, mas hoje, é assim que sinto o contentamento de não ter acontecido nada a ninguém.
Outros haverá que mais coisas têm para contar, foi uma zona de muitas operações e muito devem ter por dizer os atiradores. DESCARREGUEM.
A saída para Cabinda, primeiro para o Subantando e depois para o Lucola como não podia deixar de ser, tinha que envolver mais qualquer coisa, ou não seria eu.
Estava de férias na Metrópole quando da rotação da companhia para Cabinda, e a confusão que deu até chegar ao Lucola? Tinha havido o 25 de Abril e o avião partiu sem os passageiros especiais Veiga e Deodato, chegámos com um dia de atraso a Luanda e logo ai começaram as complicações,… adidos com eles!!! Tínhamos de aguardar o transporte que ninguém sabia quando se processaria, e se não tivéssemos optado por embarcar por conta própria ainda hoje lá estávamos, à espera!!
Antes do Lucola ainda estive um dia não sei onde, possivelmente no Subantando, só depois é que fomos transferidos para a Roça Lucola. Era um local aprazível apesar das tendas que tinham como segurança o AR quente. Estávamos perto da cidade e o conflito era praticamente inexistente, limitando-se a nossa actividade a criar condições de habitabilidade no aquartelamento e efectuando uns patrulhamentos à cidade, chegando ainda a efectuar missões junto à fronteira com o Zaire.
Não foi por acaso que fomos para Cabinda, o território apesar de calmo podia comparar-se a um vulcão pronto a entrar em actividade e o pior estava por vir, e aí sim, ao fim de tanto tempo no teatro da guerra sem que nada nos tivesse acontecido, surge uma rebelião que quase nos leva a actuar a sério. No fim da comissão voltavam os mesmos medos e temores de quando lá cheguei. Sobrevivi, outros inocentes que lá ficaram passaram as amarguras do terror de uma guerra feita pelos novos SENHORES DA GUERRA.
Não quero deixar de mencionar que até à minha ida para o serviço militar, a religião não me dizia absolutamente nada, mas alguma coisa havia que podem chamar de loucura, parvoíce, estupidez ou outros adjectivos, que me levaram a comprar uma Bíblia católica que li enquanto estive em Angola e que ainda hoje consulto. (Falo de religião, não de padres)
À minha Mãe esteja onde estiver, à minha mulher aos meus filhos aos meus netos e aos meus tios com 95 anos, agradeço ainda hoje a força, as palavras e a nova vida que me conseguiram transmitir e dar, a Deus agradeço poder partilhar estas minhas palavras convosco.
Um Abraço muito grande
Eduardo Jorge Veiga
Eduardo Veiga e esposa |
3839 Cuango69 |
Secção Auto Missão |
Musserra |
Musserra Cond.Veiga,Fonseca,Oliveira e o seringas Araujo |
Mussera |
Mussera |
Mussera |
Nossa Senhora do Grafanil |
Recordar o Grafanil |
Excelentes condições militares no Grafanil |
Caála |
Facas ilusionista,Veiga,Arraiolos,Vitor |
Ferreira 2ºE,Arraiolos mala,Dinis mala,Veiga mala,ao lado o Macedo barbeiro,atrás do Dinis o Macedo Mecânico |
Gonçalves,Dias,Macedo,Silva,Clemente,Feitor,Acácio,Matão,Veiga,Melo |
Jangada do Caíundo-Veiga,Gonçalves,Dinis |
Em pé Esq, Acácio,Clemente,Veiga,Silva,Alves,Ferreira,Melo,Dias |
Psico ao Caála. Atrás está o Elias. |
S.Pinto Lavagem de Estrada no Rio KWEBA |
S.Pinto-Silva,Vitor,Ciríaco,Sancha,Veiga |
Rotação de Serpa Pinto para a Fazenda Tabi |
Transito de Serpa Pinto para Tabí Alves,Dias,Gonçalves,Melo,Veiga o Dias e Gonçalves faleceram |
Tabí e a 322 Mercedes |
Fazennda Tabi |
Lucola-Deodato,Veiga,Serrano |
Cabinda - Locola |
Cabinda - Maiombe |
Cabinda - Fazenda Lucola |
Saida de Cabinda |
Regresso a Casa |
4 comentários:
Bela descrição que o Veiga nos dá da sua passagem pela vida militar e presença em terras de Angola. Sente-se que foi uma etapa de vida intensa e que felizmente a quase todos deixou recordações,hoje vividas numa roda de Amigos fraternos, que foi no que nos tornamos, e ainda bem !
Parabéns Veiga, e que o teu exemplo seja inspiração para muitos mais.
Parabéns ao Eduardo Veiga por este belo relato e bem documentado visualmente. São estes relatos que despertam a memória de todos pois como eu gosto de dizer a memória de um confunde-se com a memória colectiva. Tenho a dizer que já estava à espera de um escrito destes por parte do Veiga e em boa hora o fez, espero que esta publicação faça "disparar" outras de camaradas de outras especialidades e de outras companhias. Seria interessante relatos sobre as transmissões e as confusões de msgs que seria, porque não uma sobre a alimentação? De que tanta gente se queixa e sobre a qual ninguém escreve... Acho que me vou dirigir a uns quantos militares de várias especialidades e de companhias suficiendes com um desafio que decerto não irão declinar. Acho que mais surpresas irão acontecer este ano e que reputo como boas. O meu abraço ao Eduardo Veiga e contamos com mais no futuro :-)
Mais uma excelente descrição. Adorei ler e ver todas as fotos que colocaste com os respectivos nomes,foi um recordar e reviver o passado com muita saudade. Espero que mais artigos surjam em breve, não só da 3ª Companhia, mas também das restantes Companhias do Batalhão.
Parabéns Veiga e um forte abraço com amizade e estima
Quando este trabalho do Eduardo Veiga me foi remetido para publicação, mesmo antes de me terem sido enviadas as fotos, li-o com toda a atenção e pensei para comigo: “está aqui um belo trabalho, sim senhor. Bem digno dos fantásticos textos que já foram pulicados ao longo dos quase 4 anos de existência do Fórum 4611 ”.
Depois, quando após a publicação reli esse texto, conclui que o relato do percurso militar do Eduardo Veiga, bem que poderia ser (e é, certamente) o relato de muitos dos antigos militares que passaram pela guerra colonial, ou outro nome que lhe queiram dar.
Militares anónimos e sem rosto, servindo apenas para as estatísticas e números de leitura global, como, por exemplo,” foram mobilizadas para servirem nas ex-províncias ultramarinas, durante os treze anos de guerra xxx militares”.
Contudo, cada um dos xxx militares que constam das estatísticas e dos números que se leem gelidamente, sem ponta de emoção, têm um rosto, tem, uma vida que todos devemos conhecer, tem uma história a contar. Igual, ou diferente, da narrativa do Eduardo Veiga, mas todos têm uma história. Não é, pois, um mero número, um simples ponto numa estatística. É um ser humano e como tal deve ser respeitado.
O Eduardo Veiga, ao considerar ter chegado a hora de “deixar os fantasmas para trás e viver os dias em sossego”, relatando-nos os seus mais três anos de vida militar, deixou para sempre de pertencer a essa imensa multidão de militares anónimos que fazem parte das tais estatísticas. Ele alcançou o reconhecimento pessoal de todos nós e posso até dizer que obteve uma espécie de perpetuidade (que não a imortalidade, que é coisa diferente). Os seus filhos e netos poderão ler o seu texto e regozijar-se com o seu passado.
A vida militar do Eduardo Veiga é sem dúvida similar à vida militar de milhares de outros “Eduardos Veiga” que serviram a Pátria nos três teatros de operações da guerra colonial. Senão vejamos: 1) amparo de mãe; 2) casado); 3) à espera de filho; 4) andou em “bolandas” de um lado para o outro, sendo colocado em várias companhias. Quantos não passaram por situações semelhantes?
Duas frases quero ainda destacar no discurso do Eduardo Veiga: O seu pensamento nas horas más que passou em Angola “eu tenho de sair daqui porque alguém está a minha espera”. Quantos de nós não tivemos o mesmo pensamento nos momentos mais difíceis?
A sua colocação na 3ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4611/72 “em boa hora aconteceu…porque além de tudo, me permitiu conhecer amigos que ainda hoje permanecem na minha memória e não só”. Que melhor definição de amizade e de camaradagem poderíamos nós encontrar?
Por tudo isto, muito obrigado Eduardo Veiga. Um grande, muito grande abraço.
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