(Por Luís Marques)
"Conservar para mim algo que possa recordar-te
seria admitir que eu pudesse esquecer-te."
William Shakespeare
Este trabalho é dirigido em especial para os ex-militares da 3ª Companhia do nosso Batalhão, e de uma maneira geral a todos os antigos militares que integraram o Bat. Caç. 4611/1972.
Tem a ver mais propriamente com soldado condutor José Almeida Paiva, natural de Santa Marinha, Seia, falecido no acidente de viação ocorrido no dia 19 de Janeiro de 1973, quando seguia integrado numa coluna militar da 3ª Companhia, conduzindo a Berliet com a matrícula MG-74-14. Neste trágico acidente ficou também ferido com alguma gravidade o também soldado condutor César Dias, salvo erro com a alcunha “O distraído”.
A propósito deste acidente acontecido há quase 39 anos (como o tempo corre...), foi recebida na caixa de correio eletrónico associada ao nosso Fórum 4611, uma mensagem de uma jovem de nome Ana Cristina Paiva Nobre, sobrinha do José Almeida Paiva, que acho de um interesse extraordinário e que, mais uma vez, vem dar razão àqueles que teimam em manter o Fórum 4611 bem vivo, não só para que as gerações mais novas e cujos pais, tios e outros parente tomem conhecimento como foi na verdade esse tempo de sofrimento para a grande maioria dos intervenientes diretos na “Guerra Colonial”, bem como para as famílias desses miliares, cujo sofrimento a Ana Cristina retrata com uma enorme clareza, como também para que a história não se esqueça de nós, já que a Pátria pouco ou nada tem feito para valorizar devidamente a memória de todos os que pereceram nessa guerra que se veio a revelar totalmente inútil, como quase todas as guerras, como a todos os restantes que deixaram por terras do antigo Ultramar Português o melhor de dois ou mais anos das suas vidas... Éramos nós “meninos-homens” de 20, 21 anos.
Apenas deste modo se pode ajudar a escrever a verdade sobre esses anos e nos quais fomos intervenientes diretos. Não podemos deixar que outros escrevam sobre o que desconhecem, e apenas compõem textos “por ouvir dizer que foi assim”.
A mensagem, escrita no passado dia 25 deste mês e que transcrevo depois de obtida o devido consentimento, é esta:
“Boa noite,
Após uma pesquisa na Internet, descobri o nome do meu falecido tio no vosso blog. De facto, o meu tio era o José Almeida Paiva (http://forum4611.blogspot.com/2009/10/recordacoes-de-angola-21.html). Chamo-me Ana Cristina Paiva Nobre, nasci em 1982 e infelizmente não tive a oportunidade de conhecer o meu tio. Essa guerra foi terrível e tirou a vida a imensos inocentes.
No documento PDF que segue em anexo, (clica aqui) consta o nome do meu tio e as suas referências. No final dos anos 60, o meu tio emigrou para França e a minha mãe também. No entanto, o meu tio teve que regressar ao país e cumprir o seu dever cívico que acabou por o vitimar no dia 19 de Janeiro de 1973.Nasci em França e vivi lá até concluir o meu 12º ano. Depois, vim para Portugal onde conclui o ensino superior. Estou em Portugal há 11 anos e esta parte da História do nosso país associada ao Ultramar interessa-me.
A minha família e essencialmente a minha mãe (talvez pelo facto de ter vivido com o meu tio em França e terem pouca diferença de idade), sofreram imenso com o seu falecimento. Hoje em dia, vejo que ainda é uma terrível dor para a minha mãe ao lembrar-se do seu falecido e amado irmão.
Os meus avós também choravam sempre que se lembravam ou falavam do filho. Actualmente, os meus queridos avós também já partiram (a minha avó em 2006 e o meu avô em 2007). Sei que estão juntos e que olham por nós.
Pelas histórias que me contam do meu tio "Zé" já podia escrever um livro.
No entanto, gostaria de poder conhecer mais histórias deles. Como ele era? Como eram as coisas em ultramar? Como decorriam os vossos dias?
Gostaria que, se possível, me contassem mais coisas acerca dos vossos dias? O que é feito das pessoas com quem o meu tio lidava? Onde estão os seus colegas.
Agradeço toda a atenção e compreensão dispensadas.
Com toda a admiração e respeito pelos ex-combatentes.
Com os melhores cumprimentos,
Cristina Nobre”.
Dois dias mais tarde foi recebida da Cristina Nobre uma nova mensagem que a seguir transcrevo:
"Caro Luís Marques,
É com muito orgulho que acabei de ler o seu e-mail
Confesso que fiquei sem palavras e com as lágrimas nos olhos por inúmeras razões.
Agradeço o facto de poder publicar o meu "pedido de informação" online. Espero do fundo do coração poder receber testemunhos acerca do meu tio.
Agradeço imenso a sua atenção.
Com muito respeito,
Cristina Nobre"
É com muito orgulho que acabei de ler o seu e-mail
Confesso que fiquei sem palavras e com as lágrimas nos olhos por inúmeras razões.
Agradeço o facto de poder publicar o meu "pedido de informação" online. Espero do fundo do coração poder receber testemunhos acerca do meu tio.
Agradeço imenso a sua atenção.
Com muito respeito,
Cristina Nobre"
Aqui fica, pois, o desafio lançado aos camaradas da 3ª Companhia, em especial à sua secção auto (também ao António Facas, chefe dessa secção auto, e que sei guardar no interior um conhecimento profundo das razões que envolveram o acidente e no qual não estiveram apenas razões técnicas, mas também razões humanas. Já me confidenciaste, António Facas que sempre viveste aquele acidente “com muita mágoa”), aqui fica o desafio, dizia eu, para que todos os que guardam recordações do Zé Paiva e as circunstâncias do acidente que o vitimou, contem as suas lembranças aqui no Fórum 4611. A memória e o respeito que devemos ao Zé Paiva e o empenho da sua sobrinha Cristina Nobre merecem esse vosso empenho.
7 comentários:
Bom dia a todos,
Quero deixar aqui um GRANDE Obrigado ao Luís Marques por me dar a oportunidade de poder conhecer mais da nossa História, relatada por quem lá esteve e quem lutou pela nossa Pátria. Obrigado por ter colocado online o meu e-mail/pedido.
Agradeço a todos ex-combatentes, que para mim, são OS Verdadeiros Heróis deste país.
Agradeço a todos os que conviveram com o meu tio, que se possível, me relatem alguns factos da época. Como ocorreu o acidente que vitimou o meu tio (José Almeida Paiva)? Como eram os vossos dias? Têm fotografias em que consta o meu tio?
Peço desculpa por poder estar a tocar em memórias menos agradáveis, mas gostaria de conhecer melhor determinadas ocorrências e acontecimentos históricos, relatos e vividos por todos vocês, que regressaram e podem contar os vossos dias em Ultramar na primeira pessoa.
Andei a ver o vosso Fórum 4611 e, é com muito prazer e orgulho que vejo que reunem várias vezes, é de louvar!
Verifiquei que o vosso próximo convívio será no dia 12 de Novembro de 2011, perto da Nazaré. Caso seja possível, gostaria de me poder juntar a vocês, e poder conhecer melhor as pessoas que estiveram directa ou indirectamente com o meu tio.
A todos um enorme obrigado!
Com muito respeito,
Cristina Nobre
Cristina Nobre,
Agradeço a sua mensagem.
Quero esclarecer que o convívio que está marcado para o próximo dia 12 de Novembro, não é o convívio anual da 3ª Companhia, na qual o seu tio José Paiva esteve incorporado, mas sim o da C.C.S. (Companhia de Comando e Serviços), que era a "sede" do Batalhão de Caçadores 4611/72.
O Encontro Anual da 3ª Companhia não tem ainda data marcada, nem local definido, mas deverá ocorrer certamente também no próximo mês de Novembro em local a designar.
Logo que o mesmo seja marcado não deixarei de a avisar.
Pessoalmente, sei que os ex-combatente da 3ª Companhia, que conviveram de perto com o seu tio, terão todos o gosto em recebê-la. Nesse encontro terá oportunidade de contactar todos os antigos camaradas do Zé Alves e colher directamente as informações e depoimentos pelos quais anseia e, quiçá, obter fotos dele.
Os ex-militares da 3ª Companhia ~vão ser avisados do seu desejo de participar no encontro e pode ter a certeza que irá ser considerada como mais um elemento que andava "desaparecido", mas que ao fim de fim de 37 anos regressou à "sua Companhia".
Oportunamente darei notícias.
Luís Marques
A razão da existência deste Fórum está bem viva em mais este episódio,que conduz ao nosso convivio uma jovem, que tal como já foi referido pelo Luis, será sempre considerada como mais um de nós. A Família 4611 fica mais rica !! Os nossos Camaradas da 3ª saberão,e de que maneira,honrar a nossa história e divisa.
Olá Cristina,
Tomei a iniciativa de lhe responder, porque já vi que a malta da 3ª companhia são todos bons rapazes, mas muito caladinhos. Sei também de antemão não ser eu a melhor pessoa para a colocar ao corrente das respostas que pretende,..no entanto sensível ao seu sentimento e questionamentos sobre o que se passou com o seu tio, venho de alguma maneira tentar apaziguar o que lhe vai na alma e na curiosidade.
Devo dizer desde já que não me lembro minimamente do Zé Paiva, nem sei sequer se alguma vez falei com ele, isto apesar de ambos pertencermos à 3ª companhia do 4611,..mas com especialidades diferentes, ele era condutor e eu atirador de infantaria. No entanto é evidente que tive conhecimento do acidente que o vitimou o que nos deixou em estado de choque na altura e deveras sensibilizados. Desconheço os pormenores em que ocorreu o acidente, apenas sei que participavam numa Acção Psicológica, salvo erro e que a viatura virou (não estou a par dos dados técnicos) apenas sei também que os dois graduados que faziam parte da operação ficaram com graves sequelas, um deles o João Gomes também já falecido infelizmente, ficou com graves problemas psicológicos até ao fim da comissão e o Luis Lopes sofreu escoriações numa perna que o obrigou a tratamento no Hospital Militar no Huambo ex-Nova Lisboa. A pessoa mais bem colocada para lhe contar alguns pormenores será o Fernando Facas, pois era ele o chefe da secção auto a que o seu tio pertencia, era portanto o seu chefe directo. Ele (Facas) vive em Vendas Novas, é uma pessoa muito afável e acessível, pelo que se alguma vez tiver possibilidades de se encontrar pessoalmente com ele, decerto terá alguma coisa de relevo para lhe contar sobre o seu tio. Eu apenas lhe quis responder sentindo a sua ansiedade e a sua curiosidade na nossa história comum que foi também a do seu tio. Desejo sinceramente que obtenha algumas informações mais detalhadas que ajudem de alguma forma a elucidarem-na de como as coisas se passaram. Um abraço.
Quero aqui elogiar a atitude do Jorge Correia que, até agora, foi o único ex-militar da 3ª Companhia que procurou esclarecer a Cristina sobre o triste acidente que vitimou o seu tio Zé Paiva.
E que bem que o fez, mesmo não tendo estado envolvido no acidente...
A Cristina certamente obteve alguma da informação pela qual busca incasavelmente e de uma forma louvável. Ou seja, procura saber aquilo que verdadeiramente sucedeu ao seu tio e que certamente nunca lhe foi revelado
(a seus avós, pais do Zé Paiva) por quem tinha o dever de o fazer: O Estado.
Oxalá outros portugueses mostrassem o mesmo interesse em saber o que verdadeiramente se passou na Guerra de África, contada pelos próprios intervenientes.
As gerações mais novas dos portugueses têm na sua família gente que combateu nas antigas províncias ultramarinas, Parte delas nunca soube as razões e as circunstâncias em que os seu familiares faleceram...E deviam querer Saber. Por isso é a todos os títulos louvável a atitude da Cristina. Bem-haja!
Agora, "malta" da 3ª Companhia, vamos lá fazer um exercício de memória para dar mais informação à Cristina.
A gente da secção auto não tem por lá uma (s) foto (s) em que esteja o Zé Paiva, vocês que fizeram a especialidade de condutor-auto com ele?
Um GRANDE Obrigado a todos os que já entraram em contacto comigo por e-mail ou através deste fórum/blog.
Estou realmente surpreendida pelo facto de ter obtido este retorno de pessoas que estiveram com o meu tio e que, de uma forma ou da outra, estiveram com ele.
Após tantos anos, todos vocês, demonstram uma amizade pouco comum, nos dias de hoje. É de louvar! O que vos uniu em Angola jamais mudará, a vossa amizade é verdadeira e única.
Permitiram-me começar a descobrir e perceber determinados factos e acontecimentos deste passado, que até agora, desconhecia.
Obrigado a todos pelas vossas mensagens.
Se me permitem, em meu nome e em nome do meu tio, José Almeida Paiva, deixo-vos aqui um beijinho e um abraço.
Até breve.
Com os melhores cumprimentos,
Cristina Nobre
Oi Luis , no proximo dia 26 irei pessoalmente espero, falar com a Cristina e transmitir a razão unica da causa do acidente, tenho fortes e tristes recordações desse dia 19 de Janeiro.Até e um Abraço, espero que estejas presente.
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