
No dia 10 de Novembro de 1972, já noite adiantada, embarcámos num avião da TAP rumo a Luanda, Angola.A maior parte de nós tinha acabado de se despedir da família, das namoradas, dos amigos e ainda conservava nos olhos uma lágrima teimosa que nos reduzia à nossa simples condição de jovens assustados com o que nos estava a suceder, não obstante quase todos procurarem demonstrar o contrário. Na mocetada, havia um estranho sentimento, nunca até então vivido. Um nó apertado estreitava-nos as gargantas, fazendo-nos suspirar profundamente.
Algumas horas depois despertávamos em Luanda.


Luanda - Avenida dos Combatentes
A cidade de Luanda fervilhava num ritmo enérgico. Nós militares fornecíamos uma dose de movimento, juventude e alegria.
Quando chegámos, a todos impressionou a tonalidade avermelhada daquela terra; a quente temperatura daquele dia 11 de Novembro, com um sol radioso, embora ligeiramente escondido sob uma finissíma névoa que logo se dissipou, e um cheiro nunca até então experimentado, porém agradável.
Quantas perguntas fizemos na altura a nós próprios? Quantas interrogações interiorizámos sem obter resposta adequada? Olhando os nativos, que questões inocentes e algumas sem sentido nos bailaram do pensamento? Quase sem querer, aproximámo-nos dos oficiais e sargentos do quadro, já com experiências vividas em anteriores comissões, procurando obter uma resposta, ou um sinal esclarecedor.
Depois de nos instalarmos no Campo Militar do Grafanil, enfrentámos pela primeira vez a cidade.
Campo Militar do Grafanil (entrada principal)
Pormenor do Campo Militar do Grafanil

A Capela dedicada a Nossa Senhora do Grafanil (erigida num imbondeiro)

Uma das várias cantinas do Campo Militar do Grafanil
Havia a necessidade de trocar os nossos escudos que trazíamos da Metrópole por angolares, numa terra que se dizia que era nossa. Essa troca era realizada mesmo ali na rua junto a uma cervejaria (Portugália), num largo onde ficavam outros dois cafés, o Versailhes e o Polo Norte. Era nestes locais que nós nos concentrávamos quando íamos a Luanda e de onde partíamos à descoberta da cidade .
Os Angolares em circulação em Angola, durante a nossa comissão
Bem perto ficava a Mutamba, ponto de partida e chegada das camionetas de transportes públicos para os diversos pontos da cidade.

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Várias imagens do Largo da Mutamba
Percebemos a qualidade de vida patenteada pelos brancos. O seu ar feliz nos fins-de-semana enchendo os cafés e restaurantes nas inúmeras esplanadas, em contraste com os lugares mais lúgubres dos bairros de negros suburbanos (Bairro Operário – ou B.O. – Prenda e o Cazenga), onde às vezes nos deslocávamos, mas sempre acompanhados por outros camaradas. Evitávamos lá ir fardados, porque havia notícias de rixas valentes com moradores e soldados (precaução inútil, pois o nosso aspecto não deixava dúvidas a ninguém quanto à nossa condição de militares).

Pudémos apreciar a beleza da baía de Luanda à noite, onde na praia do Mussolo se podia tomar banho, beber umas cervejas, acompanhadas com marisco que era vendido barato, ou mesmo oferecido, coisa que quase ninguém estava habituado.
A beleza da Baía de Luanda à Noite
A praia do Mussulo

Na marginal, extensa e movimentada, destacava-se o edifício mais alto, o Banco Comercial de Angola, do qual se tiravam fotos para mais tarde recordar. Era sem dúvida uma terra de indiscutível beleza.

O Banco Comercial de Angola na Avenida Marginal
Aspecto da Avenida Marginal
Outro recanto da Avenida Marginal em 1972

O nascer do Sol

Vista da Marginal
Era perfeitamente visível que os serviços menos qualificados eram para os negros, engraxadores, vendedores de lotaria, empregados nas cozinhas dos restaurantes, arrumadores nos cinemas, lavadeiras, e actividades semelhantes. O ambiente era de uma certa harmonia social, apesar da constante presença dos militares.


A maior parte de nós questionava o que estava ali a fazer. Mas, na altura, raros consideraram que estavam a desperdiçar os melhores anos das suas vidas (essa consciência só sobreveio mais tarde). Todos nós, perante o fatalismo que representava a nossa presença naquela terra, preferimos tirar o melhor proveito da situação e dos nossos vinte anos.

Avenida dos Combatentes
Ficou em nós a saudade. Sentimento esse que ainda hoje nos faz desejar rever essa terra enfeitiçada, que em todos deixou uma marca indelével.
Algum dia, quem sabe…