sábado, 6 de setembro de 2008

Recordações de Angola - 8

11 DE NOVEMBRO DE 1972 - A CHEGADA A ANGOLA


(por Luis Marques)




No dia 10 de Novembro de 1972, já noite adiantada, embarcámos num avião da TAP rumo a Luanda, Angola.
A maior parte de nós tinha acabado de se despedir da família, das namoradas, dos amigos e ainda conservava nos olhos uma lágrima teimosa que nos reduzia à nossa simples condição de jovens assustados com o que nos estava a suceder, não obstante quase todos procurarem demonstrar o contrário. Na mocetada, havia um estranho sentimento, nunca até então vivido. Um nó apertado estreitava-nos as gargantas, fazendo-nos suspirar profundamente.

Algumas horas depois despertávamos em Luanda.


Luanda - Avenida dos Combatentes


A cidade de Luanda fervilhava num ritmo enérgico. Nós militares fornecíamos uma dose de movimento, juventude e alegria.

Quando chegámos, a todos impressionou a tonalidade avermelhada daquela terra; a quente temperatura daquele dia 11 de Novembro, com um sol radioso, embora ligeiramente escondido sob uma finissíma névoa que logo se dissipou, e um cheiro nunca até então experimentado, porém agradável.


Quantas perguntas fizemos na altura a nós próprios? Quantas interrogações interiorizámos sem obter resposta adequada? Olhando os nativos, que questões inocentes e algumas sem sentido nos bailaram do pensamento? Quase sem querer, aproximámo-nos dos oficiais e sargentos do quadro, já com experiências vividas em anteriores comissões, procurando obter uma resposta, ou um sinal esclarecedor.

Depois de nos instalarmos no Campo Militar do Grafanil, enfrentámos pela primeira vez a cidade.




Campo Militar do Grafanil (entrada principal)




Pormenor do Campo Militar do Grafanil




A Capela dedicada a Nossa Senhora do Grafanil (erigida num imbondeiro)





Uma das várias cantinas do Campo Militar do Grafanil


Havia a necessidade de trocar os nossos escudos que trazíamos da Metrópole por angolares, numa terra que se dizia que era nossa. Essa troca era realizada mesmo ali na rua junto a uma cervejaria (Portugália), num largo onde ficavam outros dois cafés, o Versailhes e o Polo Norte. Era nestes locais que nós nos concentrávamos quando íamos a Luanda e de onde partíamos à descoberta da cidade .









Os Angolares em circulação em Angola, durante a nossa comissão


Bem perto ficava a Mutamba, ponto de partida e chegada das camionetas de transportes públicos para os diversos pontos da cidade.

~



Várias imagens do Largo da Mutamba


Percebemos a qualidade de vida patenteada pelos brancos. O seu ar feliz nos fins-de-semana enchendo os cafés e restaurantes nas inúmeras esplanadas, em contraste com os lugares mais lúgubres dos bairros de negros suburbanos (Bairro Operário – ou B.O. – Prenda e o Cazenga), onde às vezes nos deslocávamos, mas sempre acompanhados por outros camaradas. Evitávamos lá ir fardados, porque havia notícias de rixas valentes com moradores e soldados (precaução inútil, pois o nosso aspecto não deixava dúvidas a ninguém quanto à nossa condição de militares).



Pudémos apreciar a beleza da baía de Luanda à noite, onde na praia do Mussolo se podia tomar banho, beber umas cervejas, acompanhadas com marisco que era vendido barato, ou mesmo oferecido, coisa que quase ninguém estava habituado.






A beleza da Baía de Luanda à Noite



A praia do Mussulo



Na marginal, extensa e movimentada, destacava-se o edifício mais alto, o Banco Comercial de Angola, do qual se tiravam fotos para mais tarde recordar. Era sem dúvida uma terra de indiscutível beleza.


O Banco Comercial de Angola na Avenida Marginal


Aspecto da Avenida Marginal





Outro recanto da Avenida Marginal em 1972

O nascer do Sol


Vista da Marginal


Era perfeitamente visível que os serviços menos qualificados eram para os negros, engraxadores, vendedores de lotaria, empregados nas cozinhas dos restaurantes, arrumadores nos cinemas, lavadeiras, e actividades semelhantes. O ambiente era de uma certa harmonia social, apesar da constante presença dos militares.




A maior parte de nós questionava o que estava ali a fazer. Mas, na altura, raros consideraram que estavam a desperdiçar os melhores anos das suas vidas (essa consciência só sobreveio mais tarde). Todos nós, perante o fatalismo que representava a nossa presença naquela terra, preferimos tirar o melhor proveito da situação e dos nossos vinte anos.



Avenida dos Combatentes


Ficou em nós a saudade. Sentimento esse que ainda hoje nos faz desejar rever essa terra enfeitiçada, que em todos deixou uma marca indelével.

Algum dia, quem sabe…



6 comentários:

Anónimo disse...

Uma vez mais , Luis,conseguis-te trazer recordações que são inesqueciveis, mas que por vezes ,por falta de imagem, começam a tornar-se menos precisas, com o "peso" dos anos !
Bem hajas pela tua dedicação a este Blogue que deve ser de todos nós e como tal vivido e partilhado.
Um forte abraço de gratidão.

Anónimo disse...

Zé,
agradeço as tua amáveis palavras, as únicas que oiço de reconhecimento por um trabalho que pode não ser prefeito, mas que procura que não se extinga a chama que nos liga.
Pena é que outros nem uma critica aqui deixem...

Anónimo disse...

Fui obrigado a voltar e rever ...
recordei a compra de um rádio/leitos cassetes Sony que comprei no edificio que se vê na foto do largo da Portugália - rua Salvador Correia , rádio que acabei por deixar na Tentativa...
O cruzamento da Mutamba e os seus famosos Sinaleiros - dançarinos / acrobatas... As Praias do Mussulo e Ilha...O Katekero, onde sempre fiquei alojado nas breves passagens por Luanda !
Não te importes . Luis pela aparente falta de interesse dos nossos Amigos e Camaradas.
Tenho a certeza que visitam, recordam e te agradecem também.
É tudo uma questão de começarem...
Abraços e grato mais uma vez !

Anónimo disse...

Na verdade, a escolha das imagens não foi inocente. Eu sabia que de uma maneira ou de outra os locais exibidos no "post" dizem alguma coisa a todos nós, a uns mais que a outros.
Também eu ficava no Katekero, quando tinha de pernoitar em Luanda e sei que outros camaradas também lá ficavam.
O Largo da Portugália (que revi e recordei como se lá estivesse no momento em que estava a escrever o "post") era sítio de passagem obrigatória da nossa gente; No Largo da Mutamba (que ia dar ao KateKero...) também tenho agora recordações bem vivas; recordo nomeadamente uma loja de discos que se situava num prédio de gaveto (por sinal a única esquina que não aparece nas fotos) onde eu procurava as últimas novidades (mais para as ouvir do que para as comprar, pois o dinheiro não dava para tudo.
Para mim foi gratificante colocar este "post".
Espero que para os outros seja bom vê-lo, mais que lê-lo.

Anónimo disse...

Boa tarde caro amigo.

É com um enorme orgulho e com algumas lágrimas á mistura, que tive a honra de ter estado a observar o vosso blog. Chamo-me Carlos Fernando Mendes Pereira, sou de Lisboa, casado, 1 filho, não fui militar com muita pena minha, a residir próximo de Peniche (Atouguia da Baleia), funcionário publico, motorista do Ministério da Educação, com um orgulho muito grande de ser filho de um Oficial do Exército Português e sobretudo por ter estado na Guerra do Ultramar (Angola). O meu pai, Capitão Mendes Pereira, foi para Angola nos anos 60 e qq coisa. Esteve no R20 e no Campo Militar do Grafanil até Outubro de 1973. Eu, com 5 anos de idade, embarquei no voo Tap, ao cuidado de uma bela hospedeira, em Agosto de 1971.
Fui durante estes 2 anos, com muito orgulho, a bela mascote dos oficiais e praças. Muito boas recordações !!! Fui aluno do Externato Sport Lisboa e Benfica, traquina, preferia estar com os tropas no quartel….!!! Divertia-me muito mais, ia para todo o lado, até há hora do almoço, quando o camião, não me lembro o nome, fazia a volta pelas extremidades do quartel (aos postos de vigia), para levar as refeições, era o que mais gozo me dava, porque os soldados, deixavam-me sempre conduzir aquele monstro.
Ia com os soldados, com os oficiais, á noite á ponta da Baía de Luanda, comer o meu Geladinho !!! Enfim….!! Ando eufórico com este assunto, sinto esta necessidade de descobrir, pessoas, que tenham lá estado nesta altura, que se lembrem do meu pai e já agora de mim !! eheheheheh Este será certamente, o primeiro contacto de muitos e na certeza porém, dentro das vossas possibilidades, me poderem ajudar a reencontrar algumas pessoas que possam lá ter estado nessa altura.
Um grande abraço de amizade,
carlos.pereira@anq.gov.pt

Unknown disse...

Agradeço ao autor deste bloque as fotos que colocou e, sobretudo, o texto! É que eu também fui para Angola de avião, fiquei instalado umas três semanas do Campo Militar do Grafanil, e passei por muitas das situações que descreve o autor deste blogue.
O hotel onde costumava ficar hospedado (aos fins-de-semana) ficava perto do Largo da Portugália, numa rua estreita de que me recordo só vagamente. Muito mais haveria para contar...
Obrigado mais uma vez!
CG

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72

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conduta brava e em tudo distinta