domingo, 28 de março de 2010

Regresso a Luanda

(Por José Fernandes Borges)

(clica nas fotos para as aumentar)

Uma vista da lindíssima Avenida Marginal de Luanda, hoje não tão bela..
É com enorme satisfação que quero assinalar o primeiro trabalho de um elemento da 1ª Companhia aqui no Fórum 4611.
Estou convicto que será o primeiro de vários trabalhos que muito irão contribuir para o enriquecimento do nosso blogue.
O José Fernandes Borges, autor do texto que se segue, foi 1º cabo atirador na 1ª Companhia. Nos últimos tempos, em Cabinda, prestou serviço na secretaria da Companhia, auxiliando o escriturário que lá estava (o Frasco).
Actualmente vive na Bélgica, trabalhando na União Europeia (UE). Em serviço da UE, esteve recentemente em Luanda (Novembro e Dezembro de 2009)
Há cerca de um mês recebi um email dele, dando-se a conhecer ao Fórum.
Mas nada melhor que lermos o que ele tem para nos dizer sobre ele e sobre o que viu em Luanda.

Luís Marques
O José Borges na Fortaleza de S.Miguel com a Baía de Luanda ao fundo.

Fui 1°Cabo atirador na 1ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4611/72, embora em Cabinda estivesse a prestar serviço como auxiliar do escriturário ( o Frasco ! ).
Faz uns três ou quatro anos que não vou aos encontros da Companhia, por mera questão de datas (vivo na Bélgica) preferia os meses de Julho ou Agosto e tal não tem acontecido ultimamente.
Entretanto mudei de endereço em Portugal, e deixei de receber correio a esse respeito. Vou tentar encontrar alguns contactos, que espero ainda estejam válidos...
Passei efectivamente cerca de quinze dias em Luanda em Novembro e Dezembro de 2009, ao serviço da União Europeia (sou funcionário publico europeu)....é difícil descrever a sensação de voltar a uma terra que me marcou, e julgo que a vocês também, de uma forma indelével. Mas voltar a percorrer a pé a marginal (por mais desoladora que agora esteja) e ir até a Ilha, sentir aquele calor que nos obriga a beber outra vez CUCA (ou EKA ou NOCAL, mesmo se o sabor nos parece agora indistinto) compensa de qualquer modo outros desconfortos que obviamente existem.


Uma perspectiva da Assembleia Nacional a partir da presidencia...de notar que o edificio era no tempo dos portugueses o cine-teatro Restauração, o antigo balcão serve agora como Tribuna diplomática e para assistência em geral.

Trabalhei durante vários dias na Assembleia Nacional (antigo cinema Restauração) onde estive em contacto com a politica e políticos angolanos. A nova Constituição veio trazer algumas alterações (ou pelo menos consagrar o vasto poder presidencial) bastante discutidas pela oposição, mas como se sabe o MPLA detém a maioria absoluta e age em consonância


O José Borges no lugar da Presidencia e do 'speaker' na Assembleia Nacional de Angola, ou seja o lugar que habitualmente o Pres. J.E. dos Santos ocupa e de onde fala... quando ali vai, evidentemente.

A população da cidade de Luanda deve andar agora pelos 5 milhões de habitantes, mas fala-se também em 6 ou mais (os responsáveis não sabem ao certo, mas basta referir que de qualquer modo é mais que toda a população angolana em 1974 ) e o elevado nível de degradação da maior parte das infra-estruturas do nosso tempo contrasta com projectos modernos (por vezes faraónicos), especialmente hotéis e condomínios privados em profusão, mas também de interesse publico. Tão contrastante como é é a enorme quantidade de viaturas 4×4 de topo de gama metidas num trânsito absolutamente infernal onde também circulam os únicos 'táxis' em serviço que são uma carrinhas tipo HIACE azuis que transportam o máximo de pessoas que podem .
Uma visão do certamente famoso 'louco tráfego' de Luanda... com uma faixa aberta exclusivamente para nós com 'batedores' da Policia e militares a espaços regulares ao longo do trajecto.

Claro que uma das vantagens de ir em serviço oficial, para além de não ter de pagar os exorbitantes preços de hotel e refeições e transporte aéreo, foi o de me deslocar em viaturas alugadas e escoltadas em permanência por batedores da Policia (além dos omnipresentes 'seguranças' que estão presentes por toda a parte, mesmo nas portas do pequeno comércio) os quais abriam caminho a alta velocidade no meio da via ou pura e simplesmente bloqueavam antecipadamente uma faixa de estrada para podermos circular rapidamente.
O que me atraiu mais a atenção foi realmente o desnível tão pronunciado de vida e meios na sociedade angolana. Condomínios fechados de luxo, com fortes medidas de segurança fazem paredes-meias com bairros sem condições de habitação saudável, e com os arruamentos de acesso num estado indescritível, enormes junto com montes de lixo onde crianças brincam despreocupadas. Mas ao mesmo tempo e por toda a parte uma vontade de negociar, trabalhar visível nos inumeráveis pequenos comércios, e até na venda ambulante de toda a qualidade de produtos ao longo das ruas e estradas.

Pequeno apontamento de uma placa portuguesa do séc XIX num prédio totalmente degradado e inabitado na subida para a Fortaleza de S.Miguel

Não se pressente fortes indícios fome é certo, e é importante, mas a qualidade sanitária geral pareceu-me pois um dos problemas mais graves, e por outro lado não imagino bem como um cidadão normal, pode sobreviver em condições decentes numa das cidades mais caras do Mundo.
Notei a presença tão discreta quanto intensa de trabalhadores chineses ( efectuam trabalhos noite e dia sem parar e a um ritmo que se não tivesse apreciado pessoalmente por motivos de serviço, dificilmente acreditaria) e uma cidade em estado de sitio por causa de obras, sendo que as empresas portuguesas e brasileiras estão presentes em força.


Uma das estátuas portugueses que "povoavam" Luanda e que foram retiradas após a independência

Enfim, no meu 'regresso' a Angola não pude aproveitar para voltar aos lugares do passado relacionados com o Batalhão (espreitei com alguma nostalgia a casa no centro de Luanda onde estive passar umas semanas de licença, vindo de 'Serpa Pinto') até porque as deslocações propostas pelo Governo Angolano eram bem diferentes...Huila Sã da Bandeira e Soyo (projectos agrícola e petrolífero respectivamente) e ainda uma ou outra (como projectos de recuperação e reordenamento em alguns musseques, que tanto se misturam com urbanizações como estendem a perder de vista).
Este regresso a lugares do nosso passado deixou-me em resumo uma sensação indefinível, esquisita mesmo...e difícil de exprimir.

A estatua de Camões na sua altura era apelidada ironicamente pelos luandenses de 'o sinaleiro'...


Compreendo o saudosismo de muitos 'retornados' (sabemos que o nível de desenvolvimento da sociedade angolana era bem elevado, em termos africanos, naquele tempo) mas o mundo e a historia não param, e nós em Portugal bem sentimos isso.

Canhões portugueses de diversas épocas ...sendo visiveis ao fundo algumas estatuas portuguesas retiradas de lugares publicos e uma angolana mais recente que, essa sim, vira a ser colocada, apos finalização de obras, no Largo de Kinaxixe.

Parece que Angola é o novo 'Eldorado' para muitos portugueses (firmas e individuais) e certamente que enquanto as suas riquezas naturais tiverem interesse comercial, e em especial o petróleo continuar a jorrar, haverão potenciais meios financeiros para desenvolver um pais que necessita de todo o género de infra-estruturas, e ultrapassando o 'trauma' de quatro décadas de guerra, posicionar-se como importante potência africana (que a nível regional já é !)

O José Borges na Barra do Quanza

Um abraço
José Borges

4 comentários:

José M Francês disse...

Um belo trabalho, que seguramente para além de enriquecer o nosso Fórum
nos permite sentir as emoções de quase ter estado também presente nesta visita.
É com muito agrado que vejo chegar dia após dia, Camaradas do Batalhão
ao convívio neste espaço.
Como alguém já disse, todos estamos a deixar testemunhos de uma época, que lamentavelmente muitos tentar ocultar,mas da qual nós e muitos outros não esquecemos e da qual temos orgulho.

Jorge Correia disse...

Belo trabalho do Borges !! fiquei com a sensação de me ter cruzado com ele em Angola, a cara não me é de todo desconhecida.
Concordo em absoluto com ele quando diz que Angola apesar de cerca de 40 anos de guerra é já uma potência regional. Quanto ao resto há que não esquecer que a independência do país é recentíssima e que aspectos ligados a questões sociais são demorados e complexos para implementar . Só para dar uma idéia e complementando uma informação do Borges, aqui vai...por exemplo eu que vivo no Brasil, que é independente há 300 anos, também vivo num condomínio privado com segurança privada na guarita do condomínio e cerca elétrica à volta de todo o muro do mesmo. Portanto meus caros, nada de admirar que a situação em Angola seja essa. Quanto à Constituição recentemente aprovada, pretendo apenas lembrar que a mesma foi considerada por vários Constitucionalistas renomados entre os quais o insuspeito Marcelo Rebelo de Sousa como uma Constituição das mais modernas e democráticas do mundo.

Um grande abraço e venham de lá mais trabalhos !

Luis Marques disse...

Já tive oportunidade de expressar ao José Fernandes Borges o meu sentimento pela chegada de elementos ligados a outra companhia do Bat.Cac. 4611/1972.
Neste momento apenas falta que cheguem trabalhos de gente ligada à 2ª Companhia para que fique cumprido um dos principais objectivos que presidiu à criação do Fórum 4611 há dois anos atrás: a congregação de todos os antigos militares do Batalhão de Caçadores 4611/72 num "porto de abrigo", onde todos poderão não só recordar o passado comum, como, principalmente, viver o presente e o futuro. PARA QUE A PÁTRIA NOS NÃO ESQUEÇA.

29 de Março de 2010 09:53

A. Hermenegildo disse...

Antes de mais quero dar as boas vindas ao José Fernandes Borges por se juntar a esta grande família e espero que em breve surjam mais Camaradas do Batalhão. Por outro lado quero dar os meus sinceros parabéns pelo excelente trabalho que nos apresentou. Atrevo-me a dizer que quase que me senti no lugar José Borges, faltou o calor e beber umas Cucas e sentir o cheiro característico da terra molhada quando chove. Esperemos que em breve o José Borges volte a presentear-nos com outros artigos maravilhosos como este.

Quero aproveitar para desejar a todos os Camaradas do Batalhão e respectivas famílias, votos duma Páscoa Feliz com bastante saúde.

Um grande abraço

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72
conduta brava e em tudo distinta