domingo, 4 de março de 2012

RELEMBRAR O PASSADO!

(Por José Manuel Francês)

Esta história poderia começar como tantas outras...



Era uma vez um menino que se habituara a ouvir na rádio de então as crónicas de um jornalista da época, Ferreira da Costa de seu nome, que de Luanda enviava aos microfones da Emissora Nacional histórias de um tempo em que a guerra colonialista começava e que o sistema vigente o obrigou a alterar a sua forma de começar, pois dizia ele..." Daqui Luanda, fala Ferreira da Costa!"... E o Povo tentava perceber que aquilo andava. Uma das múltiplas formas de escapar à censura do lápis azul!
Meu saudoso Pai dizia então à minha Mãe, para a tranquilizar, "tem calma que o rapaz ainda é muito novo e quando chegar à idade de ir para a tropa já esta guerra deve ter acabado há muito!".
Puro engano! A politica de então, com a teimosia de não querer perceber o que se passava, prolongou a situação, e sujeitou gerações de jovens a inúmeras situações ,algumas dramáticas, das quais ainda hoje se sentem os efeitos negativos em tantos e tantos Camaradas.
Muito mais depressa do que seria de esperar chegou o dia de me apresentar na Câmara Municipal de VN Gaia onde a 25.07.1990 fui fazer a inspecção militar... Coxos e mancos, dizia-se, tudo servia e eu que felizmente saúde não me faltava... Dei comigo a receber ordem de apresentação no RI5 das Caldas da Rainha, onde entrei para a 6ª Companhia de instrução com o nº 2007/71 do 3º pelotão.
Findo o período de instrução, ainda hoje sem entender porquê, decidiu o Exército dar-me a especialidade de Enfermeiro e deu-me Guia de Marcha para me apresentar no RI16-BSCF em Campo de Ourique, onde fui o º 360/71/AP - aluno nº 88/71.
Curso efectuado no Hospital Militar em Lisboa, fui de seguida para o HMPE de Elvas, já como 1º cabo miliciano, fazer o estágio.
Tempos que obrigaram a longos períodos de separação da família, mas também cheios de gratas recordações dos novos amigos que se foram fazendo.
Terminada a estadia em Elvas, fui colocado na RAP 2 em Vila Nova de Gaia, sabendo eu que não escaparia à mobilização para o Ultramar.
Na ordem de serviço nº 138 de 14.06.1972 era então publicada a minha ordem de mobilização para o BAT CAÇ 4611/72 - RI16 / RMA.


A mobilização


A mobilização

A 28.08.72 passei rapidamente por Évora, sede do Batalhão ao qual iria pertencer, e fui recambiado de imediato para me apresentar em Santa Margarida no dia seguinte.
Iniciava-se assim a minha vida de elemento pertencente à CCS do BAT CAÇ 4611/72 , de que ainda hoje me orgulho, não só pela prestação que tivemos todos a nível cívico e militar, durante a nossa estadia em Angola , mas sobretudo porque fizemos nascer uma verdadeira FAMÍLIA que nos une ainda hoje a todos .
Chegados a Luanda, ao entrar no Campo Militar do Grafanil , um Camarada que aguardava a hora de embarcar já no seu regresso, mais cacimbado do que alguma vez mais encontrei alguém disse-me: "Olha lá ó maçarico... Não te esqueças de contar os 730 dias que te faltam... se os conseguires contar todos és um felizardo..."



 730 dias...


Aquela história incomodou-me, tenho que o admitir, mas ao chegar a M'PUPA com o SPM 6676 , local do nosso 1º aquartelamento, decidi fazer dois Mapas/calendários, que fui dia a dia inutilizando , dando assim conta dos dias que passavam e que faltavam para chegar aos tais 730 que me fariam um felizardo !


730 dias...


Terminado o período de comissão, chegou então o dia em que recebi o documento que me "passava à disponibilidade"...a 17 de Dezembro de 1974.

Passagem à disponibilidade

passagem à "peluda"
 Hoje, passados tantos anos já, com muitos 730 dias somados, posso partilhar convosco estas datas e documentos, porque felizmente o meu Pai soube guardar-me estes registos.
Senão... restariam apenas os dados memoriais dos mesmos.
O homem de hoje, que foi menino, recorda com saudade os tempos passados então, e guarda no coração a alegria dos Amigos que fez e que estão sempre presentes na minha vida.



6 comentários:

José Manuel Borges disse...

Obrigado por partilhares essas memórias connosco.
Curiosamente, nunca tive tendencia então para esses calendários decrescentes, mas confesso que nos dias de hoje acabei por de certo modo fazer um, neste caso num smartphone(sinal dos tempos)... Que é o dia por mim previsto para pedir a reforma e voltar a Portugal.
Regresso que desconfio (para não dizer' certeza') será bem mais problemático em termos de futuro que aqueles nossos loucos anos 70.Mas é o meu...o nosso país, a nossa terra...não decidimos onde nascemos, mas podemos escolher onde e com quem acabamos a vida.
Um abraço forte

José Manuel Borges

fmoreira disse...

Fui dar com um e-mail do Francês enviado a algum tempo e que completa o artigo sobre as datas da sua mobilização. Aqui vai;
"Nesta "lide" de limpeza de papeladas, encontrei uma folha azul de 25 linhas... das que eram praticamente obrigatórias no antigo regime , uma série de anotações, que meu saudoso Pai, anotou relativamente à minha "carreira" militar , e que passo a transcrever,pois vem de certo modo ao encontro do pedido do Fernando para a montagem da História do nosso batalhão.
Assim , reza o documento, que eu desconhecia , o seguinte:
- Recenseado na freguesia de Santa Marinha em V N Gaia, no ano de 1970,foi á inspecção no dia 25.06.1970 tendo ficado "apurado para todo o
serviço militar".
Entrou no Regimento de Infantaria 5 nas Caldas da Rainha ,onde ficou
registado com o nº 2007/71 como soldado recruta Instruendo do CSM na 6ª Companhia - 3º Pelotão.
Jurou Bandeira a 1 de Julho de 1971 e ficou na especialidade de Enfermeiro.
Passou para a especialidade com o nº 360/71/AP no Regimento de
Infantaria 16 - B.S.C.F. em Campo de Ourique - Lisboa, como soldado
instruendo CSM na Escola de Serviço Saúde Militar - aluno nº 88/71.
A 18.09.1971 passou para Elvas, para fazer estágio no Hospital Militar com o nº 18989171, como 1º Cabo Miliciano.
No dia 18.06,1972 foi colocado no RAP2 ( Regimento Artilharia Pesada
nº 2 ) na Serra do Pilar - V N Gaia, ficando na BCS com o nº de ordem 3519/71 ( Ordem Serviço nº 143 de 20/06/1972 do RAP2 )
Tendo sido mobilizado para Angola , foi-se apresentar no Quartel em
Évora no dia 28.08.1972.
No dia 29.08.1972 transitou para o Campo Militar de Santa Margarida
para formar Batalhão, devendo a correspondência ser enviada para o Bar dos 1ºos Cabos Milicianos mobilizados - C.I.M. em Santa Margarida.
A 10 de Novembro de 1972 - Sexta feira, saiu pelas 23H em avião para
Luanda, tendo seguido depois para M'Pupa.
A direcção passa a ser enviada para o SPM 6676.
A 16 Dezembro 1973 foi para a Fazenda Tentativa a norte de Luanda.
A 14 de Maio de 1974 foi para Cabinda.
Chegou a Lisboa no dia 17 Novembro de 1974 tendo recebido uma guia de
licença de 28 dias e simultaneamente a
Guia de Passagem à disponibilidade com data de 15.Dezembro.1974
Pois como podeis verificar,felizmente o meu Pai era e sempre foi uma
pessoa muito organizada, pelo que hoje ,passados tantos anos,é
possivel reconstruir a minha "carreira" com tanta exactidão...
Para além destes detalhes , tenho comigo a ORDEM DE SERVIÇO nº 234 do
COMANDO do BATALHÃO de CAÇADORES nº 4611/72 emitida no Quartel em
Cabinda a 09 Outubro de 1974 onde no capítulo III - JUSTIÇA E
DISCIPLINA se encontram descritos os 21 Louvores propostos pelo
Comandante da CCS.
Já agora, tenho também a Ordem Serviço do RAP 2 - ordem nº 138 de
14.06.1972 na qual no capítulo V- Mobilização , está descrita a minha
mobilização para o BAT CAÇ 4611/72 / RI16 / RMA
É curiosa a diferença nas datas das ordens de serviço do RAP 2 - a
que regista a minha incorporação no Regimento ( 29/06/1972 ) e a da
minha mobilização ( 14/06/1972 ) ... mas que tenho aqui os documentos
a prova-lo, lá isso tenho!

Eu também tinha aqui o email de 30-03-2010. Parabéns pelo texto.

José Veiga disse...

Querido amigo Zé Francês:
As minhas cordiais saudações! Li e reli com atenção um cheirinho das tuas memórias, logo de imediato, teci um comentário que entendi justo fazer.
Tudo isto, devido ao realce de pormenores, inseridos no texto, explico:
1º- Lembro, com saudade o jornalista, Ferreira da Costa! precisamente da mesma forma como o defines, quanto aos comentários que fazia há época, do outro lado do Atlântico, aos microfones da Emissora Nacional... quem mais terá ideia, ou lembra???
2º- Tal e qual, o meu saudoso pai, teve uma expressão, conforme o teu!!! só que o meu seria anos mais tarde,( refiro esse episódio nas minhas memórias.) ou seja:
Estava, eu de férias no "puto"em Abril de 1974, regressaria a Angola, no dia 3de Maio... Nesse dia 25 de Abril, 1974,madrugada dentro estava-mos os dois sentados de sofá a ver o desenrolar dos acontecimentos... com atênção redobrada, ia-me dizendo com uma esperança, e, fé profunda!.. _ Meu filho! O mais certo é não ires mais" prá Angola!!!"
Infelizmente estava enganado!... e o que passei a seguir!!!!! após chegada a Luanda... enfim...
3º- Dou um valor muito grande, aos pormenores referidos: A feitura dos calendários; os 730 dias; os vários realces dados, com as devidas datas...etc...etc...
Pois meu caro, é por estas, e, não só, também pelo grande apreço, que tenho, pela causa, que desafiava o meu amigo, a ganhar coragem, a ter concentração absoluta, e ir mais além nas memórias, de ex:COMBATENTE, será com certeza uma mais valia, para o trabalho que está a ser feito pelo nosso querido amigo do Batalhão, Fernando Moreira, em conjunto, com o Luis Marques... tenho a certeza que vai ficar um excelente trabalho.
Esta (2ª via) missiva, deve-se ao facto, de já ter feito um comentário, e, o mesmo não ter dado entrada no blogue???.. em linhas gerais, que este incentivo, alerte outras mentes!
Pronto Zé, era isto que terqueria dizer!

José M Francês disse...

Um abraço grato pelos comentários transcritos, bem como ao cuidado do Fernando na publicação do detalhe da minha "carreira"...
Abraços para todos

Zé Mannuel Francês disse...

Ora viva meu Querido Amigo !!!
Como me alegram as tuas sempre vivas palavras.
É curioso o facto de também eu estar cá no Porto, em férias, quando se deu o 25.04.74 !!!
à chamada dos militares aos quarteis, eu na duvida decidi dar uma saltada ao QG do Porto, para ver o que deveria ou não fazer.
Fui recebido por um Capitão que me disse para estar por casa tranquilo e que me preparasse para regressar a Angola na data prevista, pois não haveria tempo, para tudo ser resolvido em tão curto espaço de tempo... Era um tipo do MFA, seguramente.
Grato pelo teu comentário, seguramente que vai ser publicado no fórum 4611.
O nosso camarada Luis tem andado muitíssimo ocupado, daí seguramente o atraso.
Permiti-me, Zé , a colocar em cópia desta resposta os nossos Camaradas Luis Marques e Fernando Moreira, pois o seu esforço em prol de todos bem merece que estejam sempre em sintonia com todos nós.
Aproveito também para mandar um abraço e agradecer ao Fernando, o comentário que fez o favor de deixar no Fórum.
Tenho procurado, na medida das minhas parcas capacidades, dar o meu contributo ao enorme trabalho que está a ser feito, e que seguramente com a ajuda de todos ficará maior e melhor.
Apertados abraços deste sempre Vosso Amigo e Camarada irmão
Zé M Francês

Luís Marques disse...

Meu caro Zé Manel,
Este teu trabalho, tal como o anterior do José Eduardo Veiga, é um eloquente “viagem” aos tempos por vós vividos do início dos anos 70, quando éramos todos meninos – homens e começámos, a maioria com receios e incertezas, a nossa vida militar.
Todos os episódios que contas (assentar praça, recruta, especialidade, estágio, mobilização, ida para Angola, a inevitável passagem pela fase do “maçarico”, os 730 intermináveis dias, a desmobilização. etc. etc.) são, bem se pode dizer uma vivência comum a todos nós, com pequenas nuances aqui e ali.
Recordo-me bem de ouvir os mais velhinhos no Grafanil e em Luanda a dizerem “piu, piu, piu” quando chegámos e quando nos viam passar com as nossas fardas ou camuflados novinhos e bem coloridos e de nos assombrar com os tais 730 dias que ainda tínhamos de suportar.
Os famosos calendários que havia um pouco por todo o lado, sobretudo nas casernas e nos cacifos de cada um, também são uma grata recordação.
Recordo-me de ver muito militar a colocar mais um X, por cada dia que passava (ou então logo meia dúzia deles, quando se saía do aquartelamento por uns dias em operações, patrulhamentos ou escoltas.
Alguns militares mais “atrevidos”, em jeito de resposta a qualquer “piçada”, apontavam o calendário e dizia “só faltam x dias”, como que a dizer “só te aturo mais tantos dias”. Boas recordações. Como nos sabe bem recordar agora tudo isto.

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72
conduta brava e em tudo distinta