(POR FILIPE SILVA E FERNANDO MOREIRA)
“Que a vossa rapidez seja a do
vento, que sejam impenetráveis como a floresta. Que as vossas operações sejam
tão tenebrosas e misteriosas como a noite e, quando atacardes, fazei-o com a
rapidez do raio e a violência do trovão.”
Sun Tzu
- Flechas – Força paramilitar
da DGS, composta por membros de algumas etnias locais e por dissidentes dos
movimentos de guerrilha, foram forças de operações especiais dependentes da
Direcção-Geral de Segurança (DGS), criadas, inicialmente no Cuando Cubango,
para actuarem contra o IN, à semelhança dos Selous Scouts rodesianos e
preparados para viver e combater no terreno como os guerrilheiros, em acções
prolongadas.
Breve História
das Unidades de Flechas
Durante a Guerra do Ultramar, a DGS
(Direcção-Geral de Segurança, assim designada a partir de 1969) era responsável
pelas operações de recolha de informações estratégicas, sobretudo nos países
vizinhos de Angola, investigação e acções clandestinas contra os movimentos
guerrilheiros, em apoio das Forças Armadas e de Segurança. Como tal foi decido
criar uma força especial armada para auxílio e protecção dos agentes da DGS nas
operações contra os guerrilheiros.
Segundo o criador dos Flechas, o Inspector da DGS
Óscar Piçarra Cardoso, alguma inspiração foi bebida das obras literárias de
Jean Laterguy, como “Os Tambores de Bronze”, “Os Centuriões” e “Os Pretorianos”,
fruto da intervenção francesa na Indochina e no Katanga e ainda as histórias de
Lawrence da Arábia e a experiência recolhida da acção dos Boinas Verdes
americanos no Vietname e no Laos.
Os membros dos Flechas eram recrutados entre
determinados grupos nativos, nomeadamente ex-guerrillheiros e membros da
minoria étnica bosquímane (khoisan), destinados a
actuar no Cuando-Cubango no âmbito da informação e como pisteiros mas depressa
as suas características fizeram deles temíveis combatentes tendo, mais tarde,
integrado também elementos de outras etnias e acabando as suas unidades por se
espalharem um pouco por todo o Leste e mesmo pelo Norte, actuando sempre com
grande eficiência. Os bosquímanos que historicamente tinham sido invadidos
pelos povos Banto não tinham qualquer problema a aliar-se aos portugueses, dado
que viam nos movimentos de libertação o Banto invasor do seu território, pelo
qual nutriam um ódio ancestral. Estes eram especialmente escolhidos pelas seus
conhecimentos do inimigo, conhecimento do terreno, conhecimento das populações
locais, etc. É de salientar que os bosquímanos eram um povo caçador-recolector,
logo exímios intérpretes de rastos e pistas deixadas no terreno pelo inimigo,
ao ponto de conseguirem dizer que tinha passado por ali uma mulher e que a
mesma estava grávida!, dada a sua experiência em perseguição de caça. Esses
membros nativos eram enquadrados por oficiais do Exército Português,
nomeadamente Rangers, e por agentes da PIDE e recebiam treino de forças
especiais. Começaram a ser treinados num
campo de trabalhos em
Missombo, no Cuando Cubango, e, posteriormente, na região de Gago Coutinho.
Foram inicialmente organizados pelo Inspector
Óscar Aníbal Piçarra de Castro Cardoso no período que passou nas "terras
do fim do mundo" – o Cuando-Cubango. Os Flechas estavam organizados em
Grupos de Combate de cerca de 30 homens. Estavam equipados com o equipamento em
uso no Exército Português, mas também utilizavam muito armamento capturado aos
guerrilheiros, nomeadamente nas Operações Pseudo-Terroristas. As autoridades
militares apenas possuíam o controlo da sua actividade operacional.
Esta acção contou com a ajuda preciosa de um
indivíduo chamado Manuel Pontes, que exercia o cargo de Administrador no Cuando
Cubango e profundo conhecedor dos “bushmen” a quem eles respeitavam e a quem
apelidavam de Tata K’Hum, que quer dizer o Pai dos K’Hum, que eram eles, povo
bosquímane. Esta força começou em 1967 com oito instruendos, treinados no
Cuando Cubango no campo de trabalho no Missombo, magros e pequenos, ao
princípio armados de arco e flechas envenenadas, ainda fazendo o fogo por
fricção de paus, mas aos poucos foram recebendo preparação militar, instrução
de tiro e passaram a andar armados. Do contacto com o inimigo, traziam armas
capturadas, documentos, mas ninguém vivo para contar como foi.
Este povo nutria um ódio ao Banto que os
escravizava, trocando-o e vendendo-o com o se de gado se tratasse, aqueles que
não eram forçados à nomadização estavam praticamente em regime de escravidão
autêntica nos sobados dos chefes Bantos. E o ódio aos seus antigos donos levou-os
a fazer a guerra ao lado dos portugueses.
No campo de Missombo existia uma frase de um
escritor militar chinês, Sun Tzu, fonte inspiradora de Mão Tsé Tung, que dizia
o seguinte; “Que a vossa rapidez seja a do vento, que sejam impenetráveis
como a floresta. Que as vossas operações sejam tão tenebrosas e misteriosas
como a noite e, quando atacardes, fazei-o com a rapidez do raio e a violência
do trovão.” Nada mais apropriado para caracterizar a acção desta força.
Mais tarde começaram a ser formados também na
zona de Gago Coutinho, espalhando-se ao Luso e á região de Luanda, Caxito,
sendo os seus elementos quase todos terroristas do MPLA recuperados e
utilizados a combater ao lado das NT.
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Apresentação de armamento capturado pelos Flechas ao IN |
Com o decorrer da Guerra
do Ultramar os Flechas revelaram-se uma das melhores forças anti-guerrilha ao
serviço de Portugal, indo progressivamente alargando o seu tipo de actuação. Se
no início eram basicamente usados como guias e pisteiros dos agentes da PIDE,
passaram posteriormente também a ser usados como forças de assalto em operações
especiais. Pelo reconhecimento do seu elevado nível de eficácia, as próprias
Forças Armadas passaram a solicitar frequentemente à DGS o auxílio dos Flechas
nas suas operações, nomeadamente as unidades de comandos que tinham por eles um
grande apreço. Óscar Cardoso afirma que nunca teve uma deserção nos Flechas,
nem nenhum capturado pelo inimigo na sua Zona de Acção (ZA).
Algumas das operações
frequentemente realizadas eram as chamadas Pseudo-Terroristas, em que os
Flechas, muitos deles ex-guerrilheiros, se disfarçavam de guerrilheiros
inimigos, para atacarem alvos com características tais que não podiam ser
abertamente atacados por forças identificadas como portuguesas (ex.: alvos em
território estrangeiro, missões religiosas que auxiliavam terroristas, bases
terroristas de difícil aproximação, etc.).
Os Flechas actuaram sobretudo em Angola, onde no
2º. Semestre de 1971 atingiam já os 1511 combatentes. Na década de 1970
começaram a ser organizados Flechas também em Moçambique mas que não chegaram a
ter uma importância tão elevada.
Na Zona de acção do Bat.Caç.4611/72, Subsector de
M´Pupa existiam forças de Flechas no Calai; Mucusso; Valombo; Cuangar; Mucundi;
Caiundo; Cuchi e Mavengue, num total de 274 combatentes.
O seu item de fardamento mais conhecido era a
Boina Camuflada que se tornou um dos seus símbolos.
Sobre os Flechas e as suas operações
juntamente com forças do Bat.Caç.4611/72 poderemos referir dois episódios
caricatos que nos chegam relatados pelo então Alferes Filipe Silva comandante
do 4º. Grupo de Combate da 3ª. Companhia.
São eles:
- “ O primeiro foi aquando dum MVL para
o Rivungo, de cuja data me não recordo mas que sei ter sido em 1973, entre o
“destacamento do Dima” e Mavinga.
Como era costume, eu seguia na viatura
da frente, um Unimog 404 a gasolina, com mais quatro indivíduos a que chamava a
equipe de caça.
Nestas viagens chegávamos a estar
distantes da última viatura, normalmente comandada pelo Girão, até 40 Km…
Seguíamos nós calmamente pela planície
(chana), quando começámos a ser sobrevoados por dois aviões T-6 das FAP, que
passavam em voo rasante, sobre nós, curvando na direcção da nossa deslocação, e
passando a voar em circulo e a picar sobre uma zona à nossa frente.
Na última passagem em voo rasante, o
piloto de um dos aparelhos, apontou nitidamente para a zona que tinham
sobrevoado em círculo e feito voo picado.
Entendi que alguém necessitava de auxílio,
e dei ordem para nos dirigirmos lá, enquanto os aviões nos ficaram a
sobrevoar em círculo.
Quando estávamos aí a cerca de duzentos
metros comecei a ver indivíduos fardados a movimentarem-se de um lado para o
outro, e curiosamente com uma faixa vermelha nos barretes. Fiquei paralisado
por uma fracção de segundo pensando:
- Caímos na boca do lobo!
De imediato dei as minhas ordens, de
como abordar o caso bem como o caminho que cada um de nós ia seguir, a
pé, tendo como cobertura o condutor com a metralhadora do Unimog.
Quando cheguei perto, fui informado por
um dos indivíduos que eram flechas de Mavinga e que o rádio não funcionava e
não tinham comida nem munições.
Era um grupo de “buchimanes” e, após
estabelecermos contacto com o chefe deles, um tal Serpa, prontificamo-nos
a transportá-los para o seu acampamento.
Tinham estado a fazer uma batida, no dia
anterior e tiveram contacto com o IN. Deram tantos tiros, que já sem munições
fugiram eles para um lado e o IN para o outro.
Ainda me recordo do indivíduo que os
comandava, dizendo pelo nosso rádio: - “carrapau”; “carrapau”; “carrapau 1”
chama, escuto!
Foi uma cena e tanto…"
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1º.Sem.72
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1º.Sem.72
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2º.Sem.72
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2º.Sem.72
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2º.Sem.72
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TE's
|
GE's
|
Fieis
|
Leais
|
Flechas
|
Grupos
|
|
17
|
91
|
48
|
3
|
45
|
Efectivos
1972
|
|
569
|
2794
|
1.300
|
90
|
1575
|
Nº.
Operações
|
Isoladas
|
108
|
1047
|
153
|
23
|
158
|
|
Conjunto
NT
|
0
|
396
|
150
|
0
|
64
|
Baixas
Sofridas
|
Mortos
|
0
|
6
|
3
|
0
|
28
|
|
Feridos
|
1
|
20
|
64
|
0
|
0
|
|
Desaparecidos
|
0
|
41
|
0
|
0
|
0
|
Baixas
Causadas
|
Mortos
|
0
|
65
|
156
|
2
|
541
|
|
Feridos
|
2
|
26
|
0
|
0
|
6
|
|
Cap. E
Recup.
|
9
|
0
|
104
|
0
|
S/elem.
|
Armas
Capturadas
|
|
0
|
98
|
47
|
1
|
S/elem.
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Quadro relativo a actividade operacional das Forças
Africanas, em Angola - 1972
O segundo episódio em que participaram os
flechas foi durante uma operação, no qual o 4º. Grupo de Combate foi aumentado
com um grupo de Flechas de Mavinga, constituindo um agrupamento;
- “A primeira parte foi a entrega de
dez rações de combate a cada um deles, na pista do campo de aviação.
Imaginem-nos sentados no chão,
comendo todas as rações, até à última. Ficaram que pareciam “pranhos”, tal o
tamanho da barriga.
Na madrugada do dia seguinte, fomos
lançados e dividi o agrupamento em dois grupos distintos, porque comecei a ver
muita descontracção e muita conversa (leia-se estalidos) entre eles, sem
qualquer cuidado.
Logo na primeira noite, quando
acampamos, cada um dos ditos fez uma fogueira e o barulho que faziam era uma
loucura, conversando por estalidos.
Mandei retirar os meus homens para mais
longe e proceder a manobras de segurança e vigia. A barulheira deles
continuava…
De repente, fez-se silêncio total e dois
ou três deles farejavam o ar como cães, de cabeça levantada, e comunicando por
estalidos levantaram-se todos e desapareceram a correr mato fora, pela noite
dentro.
Nunca mais os vi, durante os restantes
dias da operação. Fomos sendo informados via rádio da progressão deles na
direcção da fronteira leste, perseguindo sete INs que foram abatendo dia
a dia até ao último.
Ainda tive oportunidade de encontrar
dois cadáveres, completamente despidos. Ficaram-lhes com todos os haveres…
Não consigo lembrar a data nem o nome
desta operação, no entanto foi feita ainda eu era comandante interino da
companhia, logo até 30 de Maio de 1973."