No dia 10 de Novembro de 1972, já
noite adiantada, os militares que integraram a C.C.S do Batalhão de Caçadores 4611/72 embarcaram num Boeing 707 dos Transportes Aéreos Militares (TAM) rumo a Luanda, Angola. Fez ontem
precisamente 45 anos.
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Ameixa, Godinho, Dário e o Cabecinha no dia da partida de Santa Margarida com destino a Angola |
Recordo com saudade a última refeição
que nos foi servida na messe de sargentos do Campo Militar de Santa Margarida:
um saboroso e enorme bife com batatas fritas e ovo “a cavalo”, e a simpática despedida dos militares da messe de sargentos com
o bolo alusivo e o desejo de boa sorte e de um rápido regresso.
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O Campo militar de Santa Marqarida |
Depois, por volta das 17:00 foi a saída em
autocarros até ao aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa, numa viagem acompanhada "por alguma neblina, quase uma chuva fraca. Seriam talvez as nossas
lágrimas, que, teimosamente, não queríamos que aparecessem", segundo ontem me recordou o Zé Francês.
A maior parte de nós tinha acabado de se
despedir da família, das namoradas, dos amigos e ainda conservava nos olhos uma
lágrima teimosa que nos reduzia à nossa simples condição de jovens assustados
com o que nos estava a suceder, não obstante quase todos procurarem demonstrar
o contrário. Na mocetada, havia um estranho sentimento, nunca até então vivido.
Um nó apertado estreitava-nos as gargantas, fazendo-nos suspirar profundamente.
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O Boeing 707 dos TAM que nos levou até Luanda. |
Algumas horas depois despertávamos em Luanda.
A cidade de Luanda fervilhava num
ritmo enérgico. Nós militares fornecíamos uma dose importante desse de
movimento, juventude e alegria.
Quando chegámos, a todos impressionou a tonalidade avermelhada daquela terra; a
quente temperatura daquele dia 11 de Novembro, com um sol radioso, embora ligeiramente
escondido sob uma finíssima névoa que logo se dissipou, e um cheiro nunca até
então experimentado, porém agradável.
Quantas perguntas fizemos na altura a nós próprios? Quantas interrogações
interiorizámos sem obter resposta adequada? Olhando os nativos, que questões
inocentes e algumas sem sentido nos bailaram do pensamento? Quase sem querer,
aproximámo-nos dos oficiais e sargentos do quadro, já com experiências vividas
em anteriores comissões, procurando obter uma resposta, ou um sinal esclarecedor.
Depois de nos instalarmos no Campo Militar do Grafanil, enfrentámos pela
primeira vez a cidade de Luanda.
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As casernas do Campo Militar do Grafanil, onde aguardámos alguns dias antes da partida para o Cuando Cubango |
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A Capela dedicada a Nossa Senhora do Grafanil (erigida num imbondeiro) |
Havia a
necessidade de trocar os nossos escudos que trazíamos da Metrópole por
angolares, numa terra que se dizia que era nossa. Essa troca era realizada
mesmo ali na rua junto a uma cervejaria (Portugália), num largo onde ficavam
outros dois cafés, o Versailles e o Polo Norte. Era nestes locais que nós nos
concentrávamos quando íamos a Luanda e de onde partíamos à descoberta da cidade.
Bem
perto ficava o Largo da Mutamba, ponto de partida e chegada das camionetas de
transportes públicos para os diversos locais da cidade.
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Largo da Mutamba |
Percebemos
a qualidade de vida patenteada pelos brancos. O seu ar feliz nos fins-de-semana
enchendo os cafés e restaurantes nas inúmeras esplanadas, em contraste com os
lugares mais lúgubres dos bairros de negros suburbanos (Bairro Operário – ou
B.O. – Prenda e o Cazenga), onde às vezes nos deslocávamos, mas sempre
acompanhados por outros camaradas. Evitávamos lá ir fardados, porque havia notícias
de rixas violentas entre os moradores e soldados (precaução inútil, pois o nosso aspecto não deixava dúvidas a ninguém quanto à nossa condição de militares).
Na marginal, extensa e movimentada, destacavam-se os edifícios mais altos, o Hotel Presidente e o Banco Comercial de Angola, dos quais se tiravam
fotos para mais tarde recordar. Também o forte de São Miguel, com vista privilegiada
sobre a Baía de Luanda e as praias de ilha do Mussulo eram de visita
obrigatória. Era sem dúvida uma terra de indiscutível beleza.
Era a altura em que se tomava conhecimento do bom sabor das cervejas angolanas (EKA, Cuca e Nocal), bem frescas e sempre acompanhadas por pratinhos de saborosos camarões.
Era a altura em que se tomava conhecimento do bom sabor das cervejas angolanas (EKA, Cuca e Nocal), bem frescas e sempre acompanhadas por pratinhos de saborosos camarões.
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O edifício do Banco Comercial de Angola |
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O Hotel Presidente |
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Forte de São Miguel, em Luanda |
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A Ilha do Mussulo e as suas belas praias. |
Era
perfeitamente visível que os serviços menos qualificados eram para os negros,
engraxadores, vendedores de lotaria, empregados nas cozinhas dos restaurantes,
arrumadores nos cinemas, lavadeiras, e atividades semelhantes. O ambiente era
de uma certa harmonia social, apesar da constante presença dos militares.
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Avenida dos Combatentes |
A maior
parte de nós questionava o que estava ali a fazer. Mas, na altura, raros
consideraram que estavam a desperdiçar os melhores anos das suas vidas (essa
consciência só sobreveio mais tarde). Todos nós, perante o fatalismo que
representava a nossa presença naquela terra, preferimos tirar o melhor proveito
da situação e dos nossos vinte anos.
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A cidade de Luanda à noite. |
Ficou em nós a saudade. Sentimento esse que ainda hoje
nos faz desejar rever essa terra enfeitiçada, que em todos deixou uma marca
indelével.