terça-feira, 25 de agosto de 2009

Operações - O Mau e o Bom

(Por António Moita, Fernando Moreira e Luís Marques)

"A morte e a guerra
não mais me pegam ao acaso.
Inscrevo sua dupla efígie na pedra
como se o dado de minha sorte
já não rolasse ao azar,
como se passasse do branco
ao preto e ao branco retornasse
sem nunca me sombrear.
Que venha a guerra! Cruel. Total.
O atómico clarim e a génese do fim.
Cauto, como convém aos sábios,
primeiro bradarei contra esse fato.
Mas, voraz como convém à espécie,
ao ver que invadem meus quintais,
das folhas da bananeira inventarei
a ideológica bandeira e explodirei
o corpo do inimigo antes que ataque.
E se ele não atirar primeiro, aproveito
seu descuido de homem fraco, invado sua casa
realizando minha fome milenar de canibal
rugindo sob a máscara de homem."

fragmento de "Os homens amam a guerra", de Affonso Romano de Sant'Anna

Do álbum de recordações do António Moita, publicamos mais um conjunto de fotografias que documentam a presença da 3ª Companhia nas "terras do fim do mundo", nome dado pelas gentes de Angola às terras do Cuando Cubango.
Estas fotografias retratam eloquentemente o dia-a-dia de uma Companhia operacional e mostram que paralelamente ao "bom" de viver numa cidade como Serpa Pinto, havia também o "mau", das cansativas operações no mato (melhor dizendo, savana) e das intermináveis colunas militares de reabastecimento.

Na savana do Cuando Cubango



O Lopes e o Joaquim Silva

O Alferes Figueira e o 1º Cabo Lopes



Imagem da progressão no terreno



Outra imagem da progressão no terreno


Um ângulo curioso (talvez à espera de um prémio Pullitzer)


O 1º Cabo Pinheiro


O elefante branco era o símbolo do pelotão de transporte do sector SE (Serpa Pinto). Esta foto documenta a largada de 2 Grupos de Combate, o 1º e o 4º, para uma operação da 3ª Companhia (na foto estão o Correia, o Figueira, o Brandão e o Girão. Do lado de cá da objectiva, está o António Moita)



Colunas Militares de Reabastecimento (M.V.L.)

Um momento de descanso durante um MVL. Em primeiro plano, o Vidigal, o António Moita e o Lopes. Em segundo plano pessoal do 3º Grupo de Combate.
Esta Coluna de reabastecimento teve a particularidade da presença do Vidigal, cuja especialidade era "cheirador de chouriços" (inspecção de alimentos). A sua presença deveu-se ao facto do Tenente Coronel, 2º comandante do Sector, num acesso de ciúmes, o ter castigado para que ele estivesse alguns dias afastado de Serpa Pinto.


O mesmo momento. Desta vez o Vidigal em vez de andar a "cheirar chouriços", tirou a fotografia
Operações na savana




Momentos de descanso durante uma operação nas imensas "chanas" das "terras do fim do mundo"




Os rios e as lagoas eram por nós utilizados para a higiene de ocasião. Por vezes com vários dias de intervalo...


“Durante séculos pensei
que a guerra fosse o desvio
e a paz a rota.
Enganei-me.
São paralelas margens de um mesmo rio,
a mão e a luva,o pé e a bota.
Mais que gémeas
são xifópagas,
par e ímpar, sorte e azar
são o ouroboro - cobra circular
eternamente a nos devorar.”
respigado do poema "Os homens amam a guerra", de Affonso Romano de Sant'Anna

5 comentários:

Luis Marques disse...

António Moita,
Muito obrigado pela partilha das tuas memórias, valorizadas por excelentes fotografias, se não na qualidade (1973, ainda estávamos muito longe da era digital), pelo menos e sobretudo pelo interesse natural para o Fórum 4611. Como disse o Fernando Moreira, é destas recordações que vive o Fórum 4611, local onde nos reunimos para tomar o nosso café e ver o que de novo há sobre o nosso mundo.
A publicação deste trabalho deverá ser exemplo para os restante participantes no nosso blogue, pois com algumas fotografias guardadas no nosso álbum de recordações, se consegue fazer reviver a nossa memória. Para que a história não nos esqueça...

fmoreira disse...

Hoje em dia já se trabalha para que a história seja escrita de uma forma menos ideológica, não sabendo se se pode dizer que o será de uma forma mais correcta. São vocês o testemunho da campanha africana, do bom e do mau. Não deixem que sejam outros a escrever sobre o que vocês sentiram. Há por aí gente capaz de passar esses sentimentos a papel, façam-no.
1abc

Jorge Correia disse...

Respondendo de certa forma ao "apelo" do Fernado Moreira, também fico admirado pela fraca participação nos comentários deste forum, que é "nosso".

Eu compreendo a pretensão do Fernado de nos ouvir falar num outro contexto, sobre os nossos sentimentos e opiniões sobre a chamada "questão angolana" e as suas implicações nos vários quadrantes, sociais e políticos. Também compreendo que ainda hoje, passados 35 anos ainda se verifique uma certa relutância nos militares que estiveram no "Ultramar" de falarem da sua experiência no que concerne aos seus mais íntimos sentimentos e opiniões numa guerra que sentiam não ser a sua. Nesta altura da vida, nos nossos convívios recordamos obviamente, apenas o que foi a nossa convivência e camaradagem, numa experiência humana que tenho a certeza foi enriquecedora para todos nós. Mas, sem dúvida que teríamos uma palavra a dizer, como operacionais que fomos (embora andassemos muito em cuecas) heheheh,numa explanação mais específica, na nossa qualidade de uma das partes protagonistas da acção. Pela minha parte, e em breve certamente, terei todo o gosto de discutir com o Fernando o que para mim esteve subjacente no processo angolano nas suas variantes sociais e políticas, com a visão também do outro lado, ou seja o Fernando esteve em Angola, mas, não foi militar em Angola. Compreendo perfeitamente que ele tenha a ânsia de saber mais do nosso íntimo sobre a nossa experiência num contexto mais alargado. Só para terminar, para dizer que no meu Blog tenho um artigo onde relato a nossa saída do Campo militar de Santa Margarida até à chegada ao aeroporto,...os olhares, os silêncios e a emoção contida, quando nos despedimos dos nossos familiares,..afinal de contas, íamos para a guerra. Talvez seja pertinente a publicação neste Forum se assim for por bem entendido.
Bem, desculpem lá, este post já se parece com a espada do D. Afonso Henriques (CHATA E COMPRIDA)

Abraço a todos.

fmoreira disse...

Olá Jorge,
Acredita que fico à espera que chegues para que possamos gastar um pouco de prosa falando de vários assuntos, já reparei que és uma pessoa que gosta de um bom dialogo.
Um pouco à volta das tuas palavras direi que vocês tiveram a vantagem, se assim se pode designar, de terem conhecido a parte rural de Angola e a parte Urbana, desde as Chanas até à Luanda, desde o Sul, até ao norte, Cabinda. Digamos que o vosso testemunho é mais abrangente que o de muitos outros que estiveram só localizados em determinado sector. E eu ainda penso que à volta das vossas histórias, das vossas peripécias e das peripécias que o destino vos montou e ao vosso batalhão e da vossa condição de civis adiados, se pode ainda escrever muita coisa e construir-se ainda obra.
Há dias em conversa com o Moita perguntava-lhe precisamente a sua opinião sobre as tribos indigenas do Sul e sobre os Cabindas, como viviam e como eram tratados uns e outros e falamos um pouco à volta disso.
Por outro lado quando afirmas que estive em Angola mas não fui militar queres certamente dizer que muita coisa nos escapava e é bem verdade pois havia muita informação que nunca chegava até nós civis ou se chegava era sempre de forma ténue, a informação não corria como hoje. Mesmo em acontecimentos ocorridos no Maiombe, muitas vezes só na semana seguinte a notícia chegava a Cabinda/Cidade.
Também devo referir que para mim que saí de lá quando tinha 12 anos é natural que, muito devido ao meu espírito curioso, goste de saber de viva voz o sentir de quem de certa forma viveu e protagonizou a história. E vocês apanharam um dos momentos mais importantes da nossa história recente.
Porém também penso que há certos assuntos que deveremos deixá-los para uma prosa mais pessoal pois já repararam, aqueles que mais estiveram comigo, que sou adepto de uma boa conversa, e esse prazer também não o deixo para ninguém. Eh! eh! Ficamos a aguardar a tua chegada.
Quanto à tua oferta da descrição da vossa partida penso que o Luis Marques já estará a pensar em te enviar um email a pedir isso mesmo: Que envies essa história para o Blog. Atenção que o anexo da Ordem de Serviço do Cmd da RMAngola que noticia a vossa chegada existe. 1abc

Helder Mata disse...

Antes de vocês 1.º Pelotão de Caçadores Eventual (Luiana)

(Regimento de Infantaria 20)

Comandante: Alferes Mil.º Santos Silva

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72
conduta brava e em tudo distinta