Parte I - 1º Ano em Serpa Pinto
Campo Militar de Santa Margarida, 25 de Novembro de 1972
Entrada do Campo Militar de Santa Margarida
A igreja da base Militar de Santa Margarida, que ficava no final da extensa avenida
Durante o percurso o pessoal segue em silêncio, circunspecto, já não mais é possível disfarçar aquilo que nos vai na alma, a apreensão pela nossa nova realidade, afinal de contas não era para menos, íamos apenas e só para a GUERRA !!!
O que até aqui, com alguma imaginação se poderia considerar estarmos num estágio, onde fazíamos exercícios físicos e praticávamos técnicas de tiro e outras, com acampamentos no campo de vez em quando, indo ao fim de semana ver a família, tinha chegado ao fim, agora era a sério.
Chegados ao aeroporto, mais uma prova de fogo, o convívio com a família, as despedidas inevitavelmente emocionais, comoventes, a contenção de ambas as partes para preservar o psíquico que se pretendia estável.
Aeroporto militar de Figo Maduro em Lisboa
Éramos jovens, muito jovens mesmo, apesar de tudo encarávamos o futuro com confiança e com a força de sentirmos que constituiríamos uma família dali para a frente, enfrentámos o desafio que o destino nos oferecia.
Imagem de Luanda em 1972
Chegados a Luanda, ainda no avião, sente-se o cheiro forte da terra vermelha, uma realidade diferente, nova, que nos predispõe para a descoberta. E é isso mesmo que vamos fazer!
Imagem do Grafanil, em Luanda
Passada uma semana, partimos em comboio automóvel (Berliet´s) para Serpa Pinto, cidade onde ficaríamos durante um ano. Estávamos animados, iríamos ficar estacionados numa cidade, não conhecíamos, mas não importava, era uma cidade, teria certamente algum tipo de estruturas que nos ajudaria a passar o tempo da melhor forma possível.
Realmente assim aconteceu, Serpa Pinto agradou-nos muito, lembro que assim que chegámos assistimos a certa e normal (penso eu) desorganização, ou seria a desorganização, organizada ? não sei mas também não interessa nada. O que sei, é que no primeiro dia, devido ao atrasado da hora e à tal desorganização, eu o Figueira e o Moita dirigimo-nos ao melhor Hotel da cidade (era novo) e pernoitámos nele com a intenção de no dia seguinte então sim, com mais calma vermos onde nos iríamos instalar. Claro que o Figueira tinha o destino traçado, lá teria que ir para a messe dos oficiais aturar os chatos militarões do Capitão, do Major e do Tenente-Coronel, o top 3 do nosso Batalhão, dignos mandatários do regime fascista.
Imagem de Serpa Pinto
Eu e o Moita temos entretanto conhecimento que além da messe de sargentos existe um Clube, um Clube de Sargentos, onde não há sargentos, só furriéis milicianos,...ora cá está...pensamos nós...é mesmo aí que nós vamos ficar, longe dos Sorjas. Uma beleza, um edifício de dois andares (ou três?), soberbo, com um bar no primeiro piso e quartos de dois a três camas, com faxineiro, um luxo, com vista para o rio e na mesma avenida onde também residia mais à frente o Brigadeiro, comandante de sector.
O Clube de Sargentos em Serpa Pinto
Começámos imediatamente a nossa vida social, no dia seguinte vamos ao cinema, o cinema Luiana e penso que nessa mesma noite temos conhecimento que daí a dois dias vamos alinhar num MVL o 1º grupo era o primeiro a alinhar, mas nós até preferíamos assim. Lembro-me que foi connosco um Alferes chefe da secção Auto do comando de sector. Nesse primeiro MVL os carros e os condutores foram do comando de sector, pois os nossos ainda não estavam operacionais. O enfermeiro que alinhou foi o Salgado, lembro-me que fomos durante algum do percurso na mesma Berliet e para descomprimir ele foi-me contando um pouco da sua vida até ali,...fiquei a saber que já era casado e era vendedor de automóveis.Imagem do Aquartelamento do Rivungo, no Cuando Cubango
Reabastecimento por um Dakota no Destacamento do Luiana
EM BREVE A PARTE II - 2º ANO: 3 meses no Tabi - 5 em Cabinda e 3 em Luanda
NUM BLOGUE PERTO DE SI !
7 comentários:
Meu caro António Jorge,
O teu relato fez-me voltar atrás no tempo...
Não é que durante este tempo que passou não tenha recordado o primeiro ano vivido em Angola, no Cuando Cubango, desde que saí de Santa Margarida. Várias vezes me vieram à memória todo esse tempo. Simplesmente agora recordei...
A minha vivência não foi diferente da vossa.
Também eu percorri os lugares que tu evocas (Serpa Pinto, Rivungo, Cuito Cuanavale, Mavinga, Calai - onde estive mais de seis meses a comandar o destacamento e apartir do qual "levei" muitos de vós a visitar a povoação sul africana do Rundu - e a Luiana) bem como muitos outros lugares e povoações.
Se outras terras de Angola ficaram para sempre gravadas no nosso pensamento, o Cuando Cubango, por ser o primeiro território por nós pisado,pelo seu misticismo selvagem e pelo "feitiço africano" ficará sempre num lugar à parte, não é assim?
Fico (ficamos) na expectativa de outros relatos, a falar de outras terras por onde passámos enquanto jovens.
Ganda Correia, estás a refinar as tuas qualidades narrativas.Força pois tambem me fazes recordar alguns episódios que já estavam na memória longinqua. Recordáste-me, ainda em S.Margarida, quando não sei por que razão o Sarg.Campos participou de nós e aplicaram-nos uma detenção particular de fim de semana. No dito sábado de manhã cedo, o Sarg.Campos de sargento de guarda e nós a passarmos no teu 127
acenando-lhe um adeus malandro e lá fomos passar o fim de semana entre Almada e Setubal. E lembras-te fomos ao balinho da tua amiga Maria Albertina que por acaso tambem era minha amiga, mas do Algarve. No Domingo fomos ao Bomfim ver um Vitória de Setubal-Benfica de que já não lembro o resultado. Na noite de Domingo, no regresso, já perto de s.Margarida, limpaste uma raposa que colocamos na caixa do 127 e ao chegar a S.Margarida colocamos o bicho numa arrecadação pequena ao lado do quarto do Sarg.Campos. Na 2ª feira de manhã já tinhamos mais uma participação debaixo dos nossos narizes e quem nos safou desta foi o Capelão do Batalhão.Passados alguns dias o pobre do Sarg.Campos que já não conseguia dormir no o cheiro incrivel que se fazia sentir lá encontrou a origem da sua perda de sono e mandou fazer a respectiva remoção. No Algarve a isto chamava-se vigança de chinês.
Aquele abraço meu.
ahahahahah, ganda Moita, é pá, em relação à participação do Campos eu também não me lembro, mas deve ter sido porque nós éramos uns gajos muita bem comportados hehehehehehh. Mas lembro-me desse episódio, arrancámos pró fim de semana e ficámos com um grande melão quando vimos que era o Campos que estava à porta como srg. de guarda...a solução foi fazer-lhe um adeusinho.
Também me lembro do baile e do futebol e no regresso lembras-te que parámos na sopa da pedra para morfar uns lagostins na brasa e depois limpámos a raposa e a idéia inicial era curtir a pele para vender...só que no fim do dia quando chegámos aos quartos já se tinha instalado um cheirete medonho. Olha, belos tempos, recordar é viver, dizem e é bem verdade !
Abraço grande.
Este comentário não é propriamente ao “post” do António Jorge, pois tudo o que queria dizer acerca do seu bom trabalho já o disse.
É uma achega aos dois comentários do António Moita e do António Jorge e tem a ver com o “desenfianço” deles em Santa Margarida a caminho de Setúbal para verem o jogo do “Glorioso”.
Consultadas “as minhas fontes fidedignas”, acrescento que o tal jogo se realizou no dia 29 de Outubro de 1972 (cerca de um mês antes da 3ª Companhia embarcar para Angola) e o Benfica ganhou por 0 -1, golo do Vítor Batista aos 51 minutos.
A equipa do Benfica nesse jogo foi: José Henrique, Malta da Silva, Humberto Coelho, Messias e Adolfo; Toni, Jaime Graça e Simões (cap.); Néne, Eusébio (Artur Jorge 87) e Vítor Batista (Jordão 77). Era treinador o Jimmy Hagan. Sem desprimor para os que lá estão agora, quem me dera ser esta a actual equipa do “Glorioso”. Foi nesta época (1972/1973) que o Benfica foi campeão, consentido apenas dois empates (Porto, nas Antas e Atlético, na Tapadinha).
(Ó João Salgado: será que os registos existentes lá no Benfica são tão ou mais completos que os meus?)
Belos tempos Jorge Correia e como recordo bem toda essa época. Posso adiantar que o hotel que te referes era o hotel Tirso um bom hotel com um bom restaurante também. Quando os meus pais foram visitar-me a Serpa Pinto foi lá que ficaram hospedados assim como a esposa do Leal (do 1º grupo, aliás ele era do teu grupo) que viajou com os meus pais nessa altura. O cinema Luiana era um dos entretens quando havia cinema, pois não era todos os dias, mas havia ao lado do cinema uma sala com mesas de bilhar e de snoocker em que se passava tb ali algumas horas de distracção. Foi uma "guerra" sem grandes sustos mesmo assim tivemos todos mta sorte. Agora só há uma coisa que não estou a ver mto bem esses teus 3 meses em Luanda mas isso fica para outra ocasião.
Um grande abraço
Boa Jorge,
Belo relato...
A tropa não mudou muito, é como que uma empresa em auto-gestão, daí parecer desorganizada na sua organização. No entanto o ponto comum ao longo dos tempos são sempre as histórias dos desenfianços...
1abc
Autentico turismo militar hem?
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