terça-feira, 14 de abril de 2009

Vuku, o sítio do vento (Cabinda - Roça Lucola)

(Por Luís Marques)



A casa da Roça Lucola, com a família Moreira

Para este trabalho sobre a permanência da 3ª Companhia, em Cabinda, no Lucola (Abril a Novembro de 1974), na Roça Lucola, contámos com a preciosa colaboração do Fernando Moreira (ver mensagem colocada em 11 de Abril de 2009).

Pelotão da 3ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4611/72


Foi na realidade um desfecho feliz para o apelo que nos foi colocado pelo Fernando Moreira, pois dois dias depois de ter sido colocada a mensagem, estava estabelecido o contacto por ele desejado.

O pai do Fernando Moreira, o "Mindele Moreira"

Filho de um dos proprietários da Roça Lucola, manteve uma união com os militares da 3ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4611/1972 que em tudo ultrapassou uma mera ligação ocasional.Na verdade, ele conservou após 36 anos de separação uma memória bem presente de quase todos os nossos antigos camaradas da 3ª Companhia e de diversos acontecimentos pitorescos, quiçá, superando a lembrança dos próprios militares envolvidos.Tinha ele, na altura em 1974, 12 anos de idade.

A casa da Roça



Formatura da 3ª Companhia do Batalhão 4611/1972 na Roça Lucola


Mas vamos deixar que seja o próprio Fernando Moreira a contar parte das suas recordações:



O Fernando Moreira brincando com o "Tarzan" e o gatito

Em 13 de Abril, o Fernando Moreira confidenciava-nos:

Não calculam a minha felicidade por finalmente ter conseguido chegar ao vosso contacto.
Sem sombra de dúvida que a Internet ajudou a que o mundo ficasse mais pequeno e que as pessoas que se encontravam dispersas se voltassem a aproximar.

Tenho algumas fotos de elementos da companhia, em que identifico o Silva (drácula) a cujo casamento ainda cheguei a ir e que há bem pouco tempo ainda falei com ele pois ele chegou a falar com a minha mãe, infelizmente ela extraviou-me o contacto.
Ainda cheguei a ir à Lourinhã e Peniche à procura do Pinto que salvo erro tinha a especialidade de cozinheiro mas a morada que eu tenho não batia com nada… Fonte da Nora, devo ter corrido todas as Fontes da Nora existentes nas cercanias e nada…
Há ainda um Furriel que trabalhava, à altura, num despachante em Lisboa e que ainda nos ajudou quando foi de desembarcar os poucos caixotes que os meus pais conseguiram trazer com as nossas coisas.

Os militares da 3ª. Companhia decerto se recordarão de mim e do meu irmão, das caçadas aos pássaros com a pressão de ar, a minha mãe depois estufava os passaritos e lá ia eu com o tacho para a tenda do Pinto comer-mos o petisco com os meus amigos.
Houve também um deles que fez anos e a quem a minha mãe fez um bolo de aniversário que lá transportei com todo o cuidado para a tenda do respectivo para a cerimónia do cantar dos parabéns.

Havia também um Furriel ou Alferes que tinha a paixão da Fotografia e que passava a vida a fotografar e que depois era o próprio a revelar as fotos, ainda lá tenho algumas que ele me tirou com o meu perdigueiro de nome Tarzan, o companheiro das caçadas, e com um gatito preto que foi adoptado pelos Furriéis e que vivia nas instalações destes.

Para além das muitas recordações, do galhardete e do crachá (que sempre guardei comigo), tenho ainda uma chumbada na cabeça que um dos militares, salvo erro da especialidade de enfermeiro me deu numa sessão de tiro ao alvo.

Também com 12 anos aprendi a tirar as cavilhas a uma G-3 e a desmontá-la e montá-la, bem como à Walter, com um dos armeiros da unidade e vocês podem não acreditar mas ainda lá tenho o plástico de uma granada, à qual foi retirada o explosivo, e na qual foi montada uma cabeça já com a espoleta detonada que veio do vosso paiol.
Há dias estive a explicar ao meu filho de onde a mesma tinha vindo e a falar-lhe dos bons momentos que passei no vosso convívio.

Pouco tempo depois de vocês terem partido para Luanda, eu tinha ido com os meus pais ao cais despedir-me de vocês, começaram os primeiros confrontos entre os movimentos e o meu pai acabou por me mandar e ao meu irmão para casa de uma tia minha em Luanda.
O primeiro pedido que lhe fiz ainda no aeroporto foi que me levasse ao vosso aquartelamento que ficava numa das saídas de Luanda para vos ver, mas a situação já estava algo complicada e não foi possível…”

Querem um relato mais preciso e humano da vivência bem próxima de um rapaz de 12 anos com os seus heróis da época.

E no mesmo dia 13 de Abril, o Fernando Moreira remeteu-nos as fotos que aqui publicamos, acompanhadas de uma outra mensagem, igualmente sugestiva:

“Aqui seguem umas fotos desse tempo.
Encontram algumas minhas, sempre com o “quico” enfiado na cabeça e com uma vantagem: ainda era virgem, pois ninguém separou as abas traseiras do quico, rasgando-o como era prática; noutras estou acompanhado do inseparável Tarzan, que só lhe faltava falar, e algumas já dentro do perímetro do aquartelamento.
Nessa do grupo distingo o Silva (Drácula) e alguns outros dos quais não me recordo o nome.
Envio também uma do meu pai figura que saudosamente admiro e o qual eu afirmo ter sido o branco mais preto que conheci. Afirmava que a nossa terra não é aquela onde nascemos mas sim aquela que escolhemos para viver.
Não quis o destino que se perpetuasse essa escolha, mas ainda um dia irei espalhar as suas cinzas por baixo de um embondeiro com vista para a Baía de Cabinda, nesse dia… uma nova brisa correrá no Vuku!!

(Vuku – Quer dizer sítio ventoso, sítio de vento, que era como os Cabindas designavam o sítio onde a 3ª.C.C. do 4611 esteve aquartelada e onde nós vivíamos.)”

O Fernando e seu irmão na Roça Lucola


Casa da Roça Lucola. Ao fundo a casa dos Oficiais

Resta acrescentar que o ex-alferes miliciano António Elias está a partir de hoje em contacto estreito com o Fernando Moreira, a quem já prometeu dirigir-lhe um convite para estar presente no próximo convívio da 3ª Companhia que terá lugar lá para o final do mês de Novembro.
Caso se concretize o convite e o Fernando Moreira o possa aceitar, adivinho que será um momento único, só comparável ao reencontro com um antigo camarada ao cabo de 36 anos. São momentos como estes que nos fazem esquecer as agruras e a incomodidades sofridas nesses anos de 1972 a 1974.



O Fernando e o seu inseparável amigo "Tarzan", que também foi adoptado como mascote pelos militares da 3ª Companhia

Fernando, o gatito e o "Tarzan"

Aspecto do bivaque da 3ª Companhia do Batalhão de Caçadores 4611/72

2 comentários:

José M Francês disse...

Depois de ler e reler a participação do Fernando, um sentimento de forte alegria me invadiu.
Quem no final deste periodo, sendo na época um jovem, que foi acolhido pelos nossos camaradas da 3ª seguramente de uma forma calorosamente familiar, tal como inversamente aconteceu pela Familia Moreira ...,consegue ainda manter bem vivos os elos então criados , leva-me a dizer que o Fernando é dos NOSSOS !
Que me desculpem os Camaradas da 3ª mas nós também queremos poder dizer: Ainda bem que nos reencontramos !
Quem no final deste tempo - 36 anos ! - tem consigo o galhardete e crachá, seguramente muitos de nós já os perderam..., merece estar por direito próprio no nosso grupo de Amigos.
Bem hajas, Fernando Moreira !

António Moita disse...

É com agrado que verifico que há outros a manter a chama da salutar camaradagem que aconteceu particularmente nos tempos e terras distantes de Angola.
O António Elias contactou-me ontem à noite acerca do V/ blog, que acho espectacular, e devo dizer-vos que sou o tal ex-furriel das fotografias que o Moreira refere. Espero que com a divulgação que faremos em breve este blog passará tambem a ser a residência virtual da 3ª companhia.
Conto em breve dar noticias.
Um abraço
António Moita

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72
conduta brava e em tudo distinta