segunda-feira, 15 de junho de 2009

Recordações de Angola - 19 (Serpa Pinto)

(Por António Moita)

Durante a minha permanência em Serpa Pinto, a preferência era para descansar e gozar bem a vida que a cidade me proporcionava.
Na verdade, deverei referir que não gostava mesmo nada de fazer operações e sempre que me era possível, “baldava-me”.
Dava primazia às colunas de apoio e protecção a civis, aquilo que era designado por M V L (Movimento de Viaturas Logísticas). Fiz 8 ou 9 para Mavinga – Rivungo e apenas 1 para a Coutada do Mucusso.
Os 2 anos que tínhamos que permanecer em Angola deviam ser passados da melhor maneira possível.
O problema começa quando aprendemos a gostar do sitio onde estamos , “ANGOLA”. E estando nas “Terras do Fim do Mundo” ainda tínhamos tempo para passar fins-de-semana em Moçâmedes, Sá da Bandeira ou Silva Porto. Creio que o fizemos sempre no velho Mustang vermelho do “Velho” Bonifácio.
As recordações aparecem aos poucos. Preparava-me para contar a história daquilo que normalmente era a nossa vivência num MVL, quando de repente me chega à lembrança uma outra história, porventura interessante.
Durante um determinado MVL, uma viatura civil avariou, (o que era perfeitamente normal se considerarmos que percorríamos centenas de kms em areia) e apesar dos civis levarem sempre peças sobresselentes, estas gastavam-se e muitas vezes tinha que vir um "heli" com qualquer peça necessária para que a viatura pudesse chegar ao seu destino.
Perante esta situação, uma secção ficou a dar protecção à viatura civil avariada perto da lagoa da Capua. Lá ficámos cinco: eu, o Miúdo, o Marfunha , o Sacassueca e o 1º cabo condutor Dinis, sem rádio e com uma Berliet das curtas, enquanto a restante coluna de reabastecimento seguiu o seu destino.
Nisto, o Dinis teve um ataque de apendicite. Tive que tomar a decisão de pegar nele e na Berliet e levá-lo até ao Cuito Cuanavale (só tirei carta de condução na cidade do Caxito). Cheguei ao Cuito e entreguei o Dinis ao comandante da unidade, que, tanto quanto me recordo, era um Major.
Expliquei-lhe a situação. Mas o tal major não queria deixar-me sair de volta por ser "muito perigoso aquele percurso", dizia o desalmado.
Consegui explicar-lhe que tinha que ir, pois tinha lá 3 soldados e 1 civil sem qualquer meio de comunicação ou transporte. Após ter sido convencido deixou-me abastecer de combustível e rações de combate e lá fui de volta.
Ao chegar ao local a que chamávamos de “Chana Grande”, eu, "experiente condutor sem carta", ligo as redutoras e lá vou de peito feito para enfrentar o que restava do percurso.
Perto da picada que seguia para o Lupiri, havia umas curvas “marafadas” mesmo no limite da chana e a Berliet parou, pois a areia era muita e a viatura não tinha força suficiente para a vencer.
Eu levava sempre uma catana comigo e comecei a cortar bissapa para por debaixo das rodas para ganhar maior aderência (prática que era usual nas viaturas civis, sendo que esta era a principal razão porque os civis levavam sempre um ajudante. Frequentemente ouvia-se: “Mete pau filho da p…”).
Passado algum tempo, que me pareceu uma eternidade, exausto, sem forças, a viatura não saia do mesmo lugar. Aí, parei, descansei e pensei; nunca vi isto acontecer a uma Berliet, o que é que está aqui de errado?
Sabem o que foi? Quando pensei ter colocado as redutoras, desliguei-as e só com tracção a 2 rodas nem as Berliets andavam naquela areia. Passadas algumas horas, sem mais incidentes, lá estava de volta à minha secção.


Estas duas fotos mostram o António Moita nas margens da Lagoa Capua, nas "Terras do fim do mundo"

3 comentários:

Luis Marques disse...

São pequenas narrações como esta que o António Moita nos traz que aos poucos irão fazendo a História do Batalhão.
Esta pequena narrativa é bem o exemplo daquilo que de imprevisto nos podia suceder a cada momento e só o espírito empreendedor e o "desenrascanço" de cada um nos ajudava a ultrapassar certos momentos mais difíceis e para os quais nós, jovens de vinte (e muito poucos) anos não estávamos preparados, pois não é qualquer especialidade militar dada em poucos meses que nos habilita a enfrentar situações como a que foi vivida pelo António Moita. Falta, quanto a mim, dar uma noção da distância percorrida na aventura e do tempo que a mesma durou, pois, no Cuando Cubango, para fazer alguns quilómetros perdiam-se várias horas, não era assim?
Que estes relatos sirvam de incentivos para todos nós e de tema para outras narrativas, que se aguardam com expectativa.

José M Francês disse...

Ao ler a descrição da aventura (seguramente uma entre muitas) vivida pelo António Moita, recordei
também alguns episódios vividos por
mim e camaradas, onde efectivamente demonstramos que apesar de jovens, o sentido de responsabilidade e salvaguarda dos nossos nos levaram tantas vezes a tomar decisões das quais nos podemos hoje orgulhar.
Sem duvida que as "terras do fim do mundo" foram para a maioria de nós um paraíso de belas experiências...

mar disse...

Sr. António ao fazer uma pesquisa na internet pelo nome do meu avô Bonifácio, fiquei muito contente por encontrar algumas linhas sobre ele no seu relato! Mas a verdade é que o Mustang vermelho pertencia ao meu pai Ângelo, filho do Bonifácio :)
Aqui (http://www.facebook.com/profile.php?id=100001227082628) pode encontrar algumas fotos do Mustang e de pessoas daquela terra.

Marisa Ferreira

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72

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conduta brava e em tudo distinta