domingo, 24 de maio de 2009

REGRESSO

(Por Luis Marques)




No rescaldo da “Operação Vendas Novas”, iniciativa em boa hora assumida pelo António Facas, ficaram-me na memória as imensas conversas tidas à mesa do “Retiro do Bom Gosto” versando as memórias colectivas de todos nós, quase todas rondando os temas M´pupa, Serpa Pinto, Fazenda Tentativa, Tabi, Cabinda e Lucola.
Ficou patente que em todos está aprisionada uma saudade enorme das terras angolanas, a aguardar (até quando?...) pela sua libertação, seja porque forma for.
Ficaram-me igualmente gravadas as palavras sentidas do Fernando Moreira, confidenciando-nos guardar as cinzas de seu pai “mindele” Moreira com o propósito de as libertar no "Sítio do Vento – Vuku", no Lucola, lugar que ele escolheu para viver e morrer , desejo que a história impediu de concretizar.
Também eu desejo rever essa terra enfeitiçada, e “sentir” novamente o cheiro embriagante que exala da terra quente depois de uma chuvada. Talvez não consiga realizar este desiderato, mas acredito que o Fernando consiga o seu.
A este propósito, leiam o poema “regresso” da poetisa Angolana Alda Lara que se segue:


Regresso

Quando eu voltar,
Que se alongue sobre o mar
O meu canto ao Criador…
Porque me deu vida, e amor,
Para voltar……

Voltar…
Ver de novo baloiçar
A fonte majestosa das palmeiras
Que as derradeiras horas do dia
Circundam de magia……

Regressar …
Poder de novo respirar
(Ó minha terra!)
Aquele ardor escaldante
Que o húmus vivificane do teu solo encerra…

Embriagar uma vez mais
O olhar,
Numa alegria selvagem,
Que o sol,
A dardejar calor,
Transforma num inferno de cor!

Não mais o pregão das varinas,
Nem o ar monótono, igual,
Do casario plano…
Hei-de ver outra vez as casuarinas
A debruar o oceano…

Não mais o agitar fremente
De uma cidade em convulsão,
Não mais esta visão,
Nem o crepitar mordente destes ruídos…

Os meus sentidos
Anseiam pela paz das noites tropicais,
Em que o ar parece mudo
E o silêncio envolve tudo…

Tenho sede…
Sede dos crepúsculos africanos
Todos os dias iguais
E sempre belos,
De tons quase irreais…



Saudades…
Tenho saudades
Do horizonte sem barreiras,
Das calmas traiçoeiras,
Das cheias alucinadas…


Saudades das batucadas que eu nunca via,
Mas pressentia em cada hora
Soando pelos longes,
Noite fora…


Sim!
Eu hei-de voltar,
Tenho de voltar! Não há nada
Que me impeça…
Com que prazer hei-de esquecer toda esta luta insana
Que em frente
Está a terra angolana,
A prometer o mundo
A quem regressa!...

Ah! Quando eu voltar…
Hão-de as acácias rubras,
A sangrar numa verbena sem fim,
Florir só para mim…
E o sol esplendoroso e quente,
O sol ardente,
Há-de gritar
Na apoteose do poente
O meu prazer sem lei…
A minha alegria enorme de poder
Enfim dizer:
« Voltei!...»


Alda Lara (poetisa angolana. Nasceu em Benguela em 1930, morreu em Cambambe, Angola, em 1962)

2 comentários:

fmoreira disse...

"Saudades…
Tenho saudades
Do horizonte sem barreiras,"

E não são poucas...

Unknown disse...

Ela foi na verdade a melhor poetisa angola daquela época, não podemos negar a profundidade dos seus versos e quão pesada era a sua caneta. Mesmo a não fazer parte dos vivos, Alda continua inspirando mulheres e homens dessa nossa época e geração, é mesmo de respeitar esta figura.

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72

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conduta brava e em tudo distinta