Em 15 Abril de 1971, iniciava eu a minha vida militar, jovem imberbe, acabado de deixar pela primeira vez o colo acolhedor de meus Pais, chegando ao RI5 – Caldas da Rainha.
Após uma noite de viagem, dos factos dava conta em carta que meu saudoso Pai foi guardando ao longo da ausência, factos agora reencontrados e revividos.
Sem imaginar que era o primeiro passo de um período longo da minha juventude ( Abril de 1971 a Novembro de 1974 ) que me iria conduzir a inúmeras experiências, ao conhecimento de novas terras e Povos, mas acima de tudo a uma “nova Família”.
Naturalmente, como a todos nós, ex-militares, os primeiros dias foram tenebrosos. Era o habituar a uma nova realidade, um novo ritmo contrário a tudo o que até então se tinha vivido,
na maior parte das vezes, com o anular da vontade e desejo individual, preparando-nos para uma guerra que não queríamos, mas para a qual estávamos praticamente todos condenados.
O levantar, não ao som melodioso da voz de nossas Mães, como estávamos habituados, mas ao som de um clarim nem sempre bem tocado, com o ritmo alucinante de que a partir desse
momento tínhamos que correr, saltar, comer e não descansar, era já o preâmbulo das inquietações que passaríamos a viver.
Depois de uma recruta e do curso de enfermagem acelerado tirado em Lisboa, juntou-se um meio ano dito de especialidade em Elvas, e, já conhecedor de uma mobilização para Angola, fui
colocado em estágio, antes de sair para a formação do Batalhão, finalmente junto de casa no RASP, em Vila Nova de Gaia.
Devo dizer que ainda hoje me pergunto, porquê enfermagem, eu que até estudava “engenharia mecânica” !!
Finalmente, lá me tive que apresentar em Évora, para a formação do Batalhão de Caçadores 4611/72 !
No mesmo dia fui recambiado para Santa Margarida, juntamente com outros para arrancar com os preparativos.
A 10 de Novembro de 1972, escrevia a meus Pais, dando conta de que o embarque para Angola se iria efectivamente realizar, e informando o endereço postal: SPM 6676!
Seria naturalmente extensivo, descrever todos os sentimentos e situações que nos conduziram até ao NATAL de 1972.
Fui procurando “ocultar” o que de menos agradável ia ocorrendo, e transmitindo sempre sensações de bem-estar e alegria.
Naturalmente que recordo hoje algumas situações que me marcaram neste período.
A primeira viagem de avião!
A chegada a Luanda na manhã de 11de Novembro de 1972, onde o calor e humidade então sentida à porta do avião, parecia ser uma barreira a não transpor. O Grafanil e tudo o que ele representava.
Um veterano completamente cacimbado, que aguardava a partida para o “putu” e me ofereceu um calendário que ele tinha feito, e que me acompanhou durante toda a comissão , dizendo-me :
Ò maçarico, só te faltam 730 Dias !!
Em cada manhã a partir desse dia , alterava a contagem decrescente…na esperança de que rapidamente chegasse o dia do regresso.
Foi depois a viagem no MVL desde Luanda até M´Pupa. Foi nesse período que aconteceu o 1º acidente, o Roriz, logo ele, tinha que deixar um dedo anelar ser decepado pelo anel que a namorada lhe tinha oferecido.
Foi o chegar, a um local que se revelou, felizmente, um pequeno paraíso, onde fomos estreitando as nossas relações de amizade e conhecimento.
A "piscina" de M´pupa, no rio Kuito
Foram as caçadas, já descritas neste Fórum! Foi o nascer do espírito, forte , que hoje nos une , foi o contar das horas com o som da cachoeira no rio, onde nos banhávamos, foi o nascer e por do sol, foram os cheiros e as cores, foi a chuva e o frio, foi a interligação com o Kimbo Ganguela que tínhamos paredes meias com o aquartelamento.
O aquarelamento de M´pupa (em primeiro plano o edifício do Comando do Batalhão e ao fundo o posto médico, "reino" do José Manuel Francês)
Foi o jovem João Lupembe Cassela, a quem decidi dar “conhecimentos“ a que ele não tinha acesso. Aprendeu a ler, a dar injecções, a fazer pequenos tratamentos e era um mais na equipa de enfermagem.Assistência médica às populações, uma das tarfefas executadas pelo José Mauneul Francês e a sua equipa de enfermeiros, entre os quais o João Lupembe Cassela
Acreditem que tenho saudades, do rapaz de então, hoje, espero, feito homem, e que me fez verter lágrimas, quando chegado o dia de partir para a Fazenda Tentativa me pediu:
“ Dotor, leva-me contigo … quero aprender mais. Eu já não posso ficar aqui na M’pupa! “
São palavras que tenho bem guardadas nas minhas recordações.
E entretanto chegou o primeiro Natal, que tendo em conta as condições em que estávamos, se anunciava como triste.
Foi o nosso espírito de grupo, a nossa amizade e a capacidade de criar praticamente todas as condições que permitiu que eu dissesse a meus Pais, que “ até me esqueci que estava em M’Pupa, pois o menino também nasceu aqui!...".
2 comentários:
Zé Manel,
Ao ler a tua mensagem, vieram-me à lembrança as situações por mim vividas, quase iguais às tuas.
O meu primeiro Natal em Angola, foi passado no Destacamento do Calai (fronteira com o Sudoeste Africano, hoje Namíbia), que como sabes, comandei por duas vezes e que parte do pessoal da 3ª Companhia bem conhece, pois passaram por lá algumas vezes. Lembro-me de ter levado alguns "ao outro lado",
à povoação do Rundu, comprar "bugigangas", entre as quais o famoso chapéu de caçador, que nós chamávamos chapéu "carcamanho" e que era quase obrigatório.
Também eu guardo na memória um "pretinho" de 10 anos, que vivia connosco no destacamento, chamado Joaquim Dala (que as más línguas do Calai me diziam ser filho de um “turra”), e que me implorou que o levasse para Luanda, quando vocês passaram pelo Calai, em Dezembro de 1973, e me "levaram" convosco para a Tentativa.
Lembro-me, também, de te acompanhar em coluna, quando fazias as chamadas acções psicológicas junto das populações e distribuías grandes quantidades de comprimidos LM aos nativos que se abeiravam de ti, a maior parte deles sem qualquer maleita, mas apenas com o desejo de tomar os tais comprimidinhos (não sei se eras tu que aproveitavas as colunas de patrulhamento para vires connosco, se éramos nós que as fazíamos de propósito para te "guardar as costas”. Se calhar as duas coisa...).
Lembro-me das tremendas trovoadas do Cuando-Cubango, que por vezes duravam dias e até parecia que os astros se tinham zangado todos ao mesmo tempo; do cheiro da terra molhada depois da chuva; das chanas, imensas, alagadas e plenas de nunces e galengues atolados na água, a pastar; do belo pôr-do-sol, que nos deixava com uma nostalgia indescritível; dos elefantes que quase todos os dias se cruzavam connosco; etc. etc. E isto apenas para falar do Cuando-Cubango. Outras terras (Luanda, Caxito e seus arredores e Cabinda), teremos certamente oportunidade de lembrar aqui.
Enfim, um manancial de recordações trazidas pelo teu óptimo trabalho
É este "o sentir" a que eu me refiro sempre. Os anos passam mas sempre fica qualquer coisa de bom e de mau que a "picada da nossa vida" nos obriga a transportar. Daí a minha anterior msg em que dizia que tudo fez parte.
O meu pai também trouxe com ele dois filhos de um amigo dele já falecido, frutos de uma relação de facto com uma Cabinda e cá se criaram, em parte conosco de modo que posso dizer que tenho dois irmãos de cor e que tratavam os meus pais como pais. Também fez parte. Cá neste cantinho à beira mar plantado nunca vos aconteceu depois de uma trovoada de verão sentirem o cheiro a terra quente característico das grandes trovoadas em Àfrica? estas sensações não morrem enquanto existirmos, vamos registá-las para aqueles que cá ficarem. Obrigado Francês é esse o sentido do Fórum.
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